quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Os muros de Berlim


Sílvio Lanna


Era 9 de novembro de 1989 e milhares de alemães se dirigiram para o “Muro da Vergonha” e nele descarregaram suas marretas e sua revolta, sua mágoa e suas picaretas.

O ato, mero simbolismo do fim de um período iniciado no pós Segunda Guerra precisou de uma última vítima, último mártir dentre tantos fuzilados em frustradas tentativas de fuga:Chris Gueffroy. E o muro se foi, e a Alemanha Oriental se foi. Indo também acabou a União Soviética que ao se desintegrar provocou inúmeros conflitos sangrentos, divisões territoriais dolorosas e fincou muros nos Balcãs.

Outros muros semelhantes ao berlinense, porém, restam incólumes à ação do tempo, atravessando um momento histórico mundial que parece indiferente às dores e sofrimentos daqueles que não dispõem de trombetas políticas para se fazer anunciar (ou cuja dor, apesar de ouvida, não interessa aos donos do planeta).

Há os curdos no Iraque, vítimas de genocídio atribuído a Sadam Hussein, e que enfrentam hoje um momento de definição de sua pátria, sob as ameaças de árabes, turcomanos e outros. Nada indica que sua segregação esteja próxima do fim.

Há também os palestinos cujo muro ameaça tornar-se realidade sob a forma de cimento (uma vez que sob a forma da exclusão e da violência já há muito foi erguido). Seu desejo de construção de uma pátria territorial é idêntico ao daqueles que hoje os segregam e que fizeram jus ao Estado de Israel.

Há ainda os sofridos africanos pobres e famintos, de qualquer quadrante continental e que padecem sob o império da fome, das guerras civis, das chacinas, da dominação internacional, dos ditadores e da histórica espoliação. A África do constante sofrimento é um país de jovens, uma vez que lá a expectativa de vida é de apenas 47 anos e boa parte da população não sabe como é a aparência de um homem idoso... É também um país de mutilados física e emocionalmente, pela ação das minas terrestres e dos facões implacáveis.

Há, não nos esqueçamos, os famintos do planeta (congregação cuja quantidade de adeptos hoje se discute se ultrapassou ou não a barreira do bilhão). São os abandonados sem fronteira, que erram por seus países e continentes afora em uma verdadeira diáspora moderna. E o mundo segue discutindo sua existência, elaborando apurados índices estatísticos, formulando expectativas e teorizando sobre o quanto de recursos internacionais seria suficiente para sua erradicação (da fome ou dos famintos?). Enquanto isto, o muro da fome permanece sólido e imbatível, até por falta de marretas que o derrubem.

Há a droga, capaz de encerrar cada um de seus dominados em um muro particular e formar uma vasta multidão de enclausurados circulando pela temerosa sociedade. Também não é fácil derrubar esses muros, até porque seus verdadeiros construtores, sempre operosos, contam com a vênia das instituições, exercendo sua atividade e seu poder ainda que presos em estabelecimentos de segurança máxima.

Há o muro da desigualdade, que separa bem sucedidos de mal sucedidos (ao ver da principiologia liberal-capitalista). Estabelece os limites entre aqueles que servem e os que são servidos, entre aqueles que acumulam e os que cedem. Também se prestam ao desenvolvimento de estatísticas e à elaboração de teses políticas mutuamente acusatórias entre situação e oposição, seja em que país for, esteja em que regime estiver.

Dentre tantos outros muros de Berlim de que poderíamos nos lembrar, há ainda o muro da indiferença que rodeia todos nós, às vezes em grupo, às vezes isoladamente. É um muro conveniente e levantado pelos próprios enclausurados em verdadeira obra de requintada bricolagem. Adequadamente erguido até um palmo acima dos olhos, moldado com esmero em volta dos ouvidos, rebatido com arte à frente do nariz, ostenta, porém, avantajada janela à frente da boca. É por ela que se levantam as lamúrias em face das injustiças, as contritas preces pelo fim de tais sofrimentos e os brados de indignação contra os culpados.

As mãos e os pés? Perdão, elas estão ocupadas segurando o muro e eles não aguentam deslocar tamanho peso...


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