quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O execrável dragão chinês



Sílvio Lanna
No dia de Natal o dissidente político chinês Liu Xiaobo foi condenado a onze anos de prisão. A acusação? Subversão. O crime? Haver defendido procedimentos democráticos na China, envolta, como sabemos, em uma grotesca ditadura que busca manter sob controle a dicotomia capitalismo-comunismo.
A repressão a qualquer atividade que tente arranhar o rigido controle estatal vem proporcionando contínuas agressões aos princípios elementares de direitos humanos na China. Os protestos ocorridos na Praça da Paz Celestial em junho de 1.989, as tentativas de libertação do Tibete, as manifestações quando das Olimpíadas e tantos outros gritos de liberdade e de democracia foram duramente reprimidos pelo governo.
Liu Xiaobo vem exercendo um papel extremamente importante - e muito perigoso - na oposição política ao regime chinês. Sua atual condenação derivou principalmente de haver divulgado junto com outros subscritores a Carta 08, em 12 de dezembro de 2.008, onde defende o fim do regime de partido único (estabelecendo-se democracia na escolha política), a independência do Poder Judiciário (iniciando-se o Estado Democrático de Direito) e a liberdade associativa (garantindo-se o direito de livre expressão). Seu julgamento atendeu aos padrões determinados pelo Comitê Central do Partido Comunista, órgão que exerce o poder no país. Consideremos que lá o Poder Judiciário é hierarquicamente submisso ao Poder Legislativo e este divide com o Executivo as demais funções do Estado.
Com duração de apenas duas horas e meia, o julgamento não pôde ser assistido pela mulher do acusado (que foi mantido em absoluto isolamento desde o mês de março), nem por representantes das organizações internacionais de defesa dos direitos humanos e nem pela imprensa. Foi claramente um julgamento secreto - como é de praxe -, uma vez que o mundo nem sequer teve acesso às teses de acusação e de defesa.
O governo chinês refutou as pressões de países e de instituiçpões democráticas contra tal estado de coisas, alegando tratar-se de inaceitáveis interferências em seus assuntos internos.
O país é campeão mundial em sentenciar e cumprir penas de morte. O mundo considerava uma média anual entre 1.000 e 2.000 casos anuais reconhecidos pelo Estado (sendo que em 2008 teriam sido executadas 1.718 pessoas). Fala-se, porém, que o número estaria subestimado, uma vez que na realidade as mortes ultrapassariam 10.000 indivíduos.
Diversos de crimes são apenados com a execução do criminoso, realizada tradicionalmente com um tiro na nuca. O detalhe macabro é que a bala é cobrada da família. Atualmente tais práticas vêm sendo substituídas pela injeção letal.
O procedimento judicial é simples, rápido e profundamente injusto. Um acusado pode permanecer por três meses ou mais detido sem qualquer acusação, sendo admitida a tortura física e psíquica, bem como a chantagem emocional como formas para que sejam obtidas as confissões. Durante esse período o preso não tem direito a advogados e, em muitas vezes, nem à visita de familiares. Fica isolado do mundo e de seus mais elementares direitos.
Em muitos casos os julgamentos são coletivos e realizados com um mínimo de tempo após o encerramento dos respectivos inquéritos. Nesse momento é possível contratar-se um advogado, mas o tempo é curtíssimo, uma vez que somente às portas da condenação o profissional tem contato com seu cliente. A defesa, na maioria das vezes, resume-se a um pedido de perdão.
O Código Penal chinês elenca como crimes passíveis de aplicação da pena de morte: homicídio, adultério, roubo, formação de quadrilha, esteliuonato, envenenamento de gado, difusão de pornografia, emissão de cheques sem fundos, falsificação de documentos, contrabando, extorsão e tráfico de drogas.
Não são permitidos recursos às sentenças de Primeira Instância nestes casos.
Tudo isto faz com que a "eficiência" dos tribunais seja notável: condenação em quase noventa e cinco por cento dos casos que lhes são submetidos.
No cumprimento da pena a China parece reviver a Idade Média, uma vez que as execuções (que costumam ocorrer 24 horas após a sentença) são públicas, montando-se verdadeiro aparato de exibição para o qual a população é convidada. Tudo é registrado e transmitido pelas emissoras regionais de TV. Os atores principais do deplorável espetáculo são exibidos pelas ruas portando cartazes pendurados no pescoço, onde se registram os os crimes cometidos. Felizmente tais procedimentos vêm sendo gradativamente abandonados pelo país, trocados por métodos "mais humanitários" no cumprimento das sentenças.
Mesmo após a morte os condenados cumprem outra pena: são imediatamente levados a hospitais para retirada compulsória de órgãos para transplantes. Na China comunista-capitalista até isto vira negócio, uma vez que córneas, rins e outras "mercadorias" abastecem o tráfico internacional, tudo com a complacência do governo.
Por falarmos no assunto, ontem foi executado Akmal Shaikh, paquistanês com cidadania britânica, sob acusação de tráfico de drogas. A imprensa internacional relata que seu julgamento durou apenas cinquenta minutos e que foram negados os pedidos de avaliação psiquiátrica efetuados pelo governo inglês e pela família do réu (segundo eles, era o mesmo portador de transtorno bipolar). Nem a intervenção pessoal do primeiro-ministro Gordon Brown foi suficiente para mudar o ritmo e a conclusão do processo penal.
O viés dessa questão, entretanto, é que o mundo se rendeu à China e todos, inclusive os EUA, lhe fazem reverências a todo momento. As vozes que se levantam contra os abusos da ditadura amarela no mais das vezes são protocolares, meras obrigações diplomáticas sem qualquer efeito prático.
Justamente "pela afronta aos direitos humanos e em defesa da liberdade e da democracia" Cuba enfrenta mais de meio século de embargos comerciais, o Vietnam teve que resistir ao poderio bélico norte-americano, o Panamá foi aviltado, o Iraque foi invadido e seu líder foi executado, o Irã sofreu ameaças de destruição, o Afeganistão recebeu milhares de marines invasores, além de tantos outros exemplos da prepotência americana.
Mas com a China é diferente.
- É o maior produtor e o maior consumidor mundial de alimentos, como arroz, milho e suínos.
- É o mercado que oferta a mão-de-obra mais barata do planeta (salários, benefícios e tributos).
- É o maior importador mundial de algumas matérias primas.
- É o maior aplicador mundial em títulos da dívida pública norte-americana, com aproximadamente US$ 1 trilhão investidos.
- É o maior produtor mundial de aço, participando do mercado total com algo em torno dos trinta por cento.
- É uma economia pujante, com previsão de acréscimo de 11% na produção industrial e de 8% do PIB, ambos em 2.010.
- É detentor de cinco por cento da riqueza mundial, considerando-se a soma dos PIBs dos 195 países existentes.
Tudo isto e mais outros índices que revelam a grandiosidade das somas econômico-financeiras envolvidas fazem com que o mundo dispute avidamente entre si uma rodada de negócios com os chineses, um contrato de fornecimento de bens, uma visita de delegação comercial e até mesmo um sorriso amarelo.
A condução política e os abusos cometidos internamente deixam de ser considerados, por submergirem no oceano de interesses capitalistas envolvidos.
Por tudo isto percebemos que o velho dragão chinês continua ativo e mais flamejante que nunca e que não há hoje nenhum cavaleiro andante que tenha coragem de enfrentá-lo.

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