quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Os dois lados da moeda


Sílvio Lanna
Recebeu aprovação a Proposta de Emenda Constitucional que altera a forma de pagamento dos precatórios. Muito se discute se ela instrumentaliza o calote, se institui o leilão de créditos e, ainda, que pode se tornar um instrumento de justiça social, no sentido em que privilegia o pagamento dos pequenos valores.
O Poder Judiciário a considera uma verdadeira afronta, uma vez que engessará futuras decisões judiciais. Pela PEC, o pagamento de alguns precatórios poderá ser parcelado em até quinze anos e outros poderão ser recebidos após concessão de deságio (que poderá chegar a 80 por cento ou mais) por parte dos credores.
O presidente nacional da OAB chegou mesmo a considerá-la "o maior atentado à democracia desde a ditadura militar".
Em outra frente, a Medida Provisória 472, de 15.12.09, estabelece em seu art. 23 modificação no inciso I do art. 44 da Lei nº 9430/96. Em resumo, impõe multa de 75% (setenta e cinco por cento) sobre "O valor das deduções e compensações indevidas informadas na Declaração de Ajuste Anual da pessoa física."
Isto significa, nada mais, nada menos, que se algum de nós cometer um erro, por mais justificável que seja, em nossa declaração, virá a sofrer a multa cavalar inscrita na norma legal, incidindo a mesma sobre a diferença verificada. Ou seja: imagine que você tenha um recibo médico, por exemplo, no valor de R$ 1.500,00 e o registrou (apenas por erro, sem nenhuma má fé) por R$ 15.000,00. Sobre a diferença (R$ 13.500,00) você será penalizado em R$ 10.125,00.
E se a Receita Federal julgar que o erro acima ocorreu por intenção de fraudá-la (dolo)? Aí a multa será de 150% (cento e cinquenta por cento). No exemplo acima, o contribuinte será penalizado em R$ 20.250,00. Tudo isto por causa de um mísero recibo de R$ 1.500,00.
Percebemos então que o Estado é muito cioso de seus direitos financeiros e pune com energia ímpar aqueles que por qualquer motivo, possam reduzir-lhe a receita tributária. Tanto rigor destina-se - dirão os donos do cofre - a garantir recursos para os pagamentos a que se obrigam na manutenção do aparato estatal e no cumprimento de direitos de seus credores.
Parte de tais valores é paga pelos governos justamente com a emissão dos precatórios que, para quem não sabe, já gozam de um ou dois anos de prazo inicial de pagamento, assim que são constituídos.
Os maiores problemas ocorrem em nível municipal (não por outro motivo, o maior articulador para a aprovação da PEC do Calote foi o prefeto Gilberto Kassab, de São Paulo). O calote é generalizado em todo o país. Vejamos alguns exemplos de caloteiros pelo país: nossas Minas Gerais devem R$ 3,5 bilhões, o Rio de Janeiro R$ 2,4 bilhões, o Paraná R$ 4,5 bilhões, o estado de São Paulo R$ 16,4 bilhoes e a prefeitura paulistana R$ 11,3 bilhões. No país inteiro, estima-se que o "tombo" tenha atingido R$ 100 bilhões.
Algo está errado. No mínimo, temos a adoção de dois pesos e duas medidas na condução financeira do Estado brasileiro. No mínimo também temos um caso explícito (além de diversos outros) de péssima administração por parte de prefeitos e governadores (que não se cansam de se gabar das obras que fazem e de quão ótimos administradores são). Claramente exposta está a desvinculação entre voto e cidadania. Muitos brasileiros não votam orientando-se pela melhor alternativa para o país ou para sua região, mas naqueles que melhor apresentam suas mentiras e mais eficientemente encobrem suas falcatruas.
A comparação acima exposta, entre as duas faces de uma questão, é mais um de tantos exemplos existentes do escambo em que se tornou a administração pública neste país. É exemplo também do abandono em que se colocaram milhões de eleitores, por desconhecerem a real finalidade e o devido poder de seu voto.

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