domingo, 28 de fevereiro de 2010

É como diz o ditado...



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Sílvio Lanna
Noticiaram os jornais que neste fim de semana dois homens passando-se por funcionários da prefeitura de BH renderam a empregada e assaltaram a mansão de Marcos Valério Fernandes de Souza (aquele mesmo dos mensalões...).
Roubaram diversos eletrodomésticos, além de jóias e uma quantia não declarada em dinheiro vivo.
O que se discute agora é quantos anos de perdão, digo, de prisão eles merecem ser condenados...

Justiça

"O Senhor julgará os povos; julga-me, Senhor, conforme a minha justiça, e conforme a integridade que há em mim." (Salmos, 7-8)

"A justiça exalta os povos, mas o pecado é a vergonha das nações." (Provérbios, 14-34)

"E o efeito da justiça será paz, e a operação da justiça, repouso e segurança para sempre." (Isaías, 32-17)



Hanna Arendt e a violência urbana no Brasil




Sílvio Lanna
Hanna Arendt foi dessas pessoas de profunda acuidade intelectual, cujos pensamentos ultrapassam seu próprio tempo e postergam-se na história, prontos para serem revisitados a qualquer momento, plenos de atualidade e vigor. Nascida judia alemã, tornou-se doutora em filosofia, tendo sido aluna de grandes mestres como Heidegger.
Por força do antisemitismo alemão teve que fugir para Paris, Praga, Genebra e, em seguida, para os Estados Unidos. Em seu trabalho filosófico abordou com profundidade e lucidez a política, os dilemas da autoridade, o totalitarismo, a educação e a violência, dentre outros. Não obstante a profundidade da obra de Hanna, fiquemos por ora com sua abordagem do que chamou de "Banalidade do Mal", ocorrência, segundo ela, derivada das atitudes humanas condescendentes com o sofrimento, a dor, a tortura, enfim, com o mal em si.
Em razão disto, necessária seria a vigilância da sociedade em defesa da liberdade, bem maior.
A "pensadora da liberdade" questionou a violência, seja ela praticada com ou sem permissão sócio-política. Desta forma, a intervenção das forças de paz da ONU em episodios como Kosovo, Bagdá, Porto Príncipe e outros guardaria similaridades em suas consequências com episópios como o 11 de setembro. Assim, a política oficial norte-americana de segurança, permitindo ataques e invasões preventivas em qualquer parte do mundo, também corporifica a banalização da violência referida pela autora.
Já disse ela em "Da Violência" que: "A prática da violência, como toda ação, transforma o mundo, mas a transformação mais provável é em um mundo mais violento."
Importante relembrarmos também Zigmunt Bauman (in "Modernidade e Holocausto): que afirmou: "...o nazismo era cruel porque os nazistas eram cruéis; e os nazistas eram cruéis porque as pessoas cruéis tendem a se tornar nazistas."
Sob essa ótica, portanto, os pontos a serem atacados pela sociedade são a "crueldade" (e seus similares, determinando-se inclusive qual a origem e cura desse estado de ser) e o "nazismo" (e outras modalidades de violência, tomando-se medidas que impeçam sua existência e proliferação).
A partir destas breves lembranças, pensemos o caso da violência urbana no Brasil (que em algumas cidades tem sido considerado o maior problema enfrentado pela população).
Muitas soluções são apresentadas, como a redução da maioridade penal, a adoção das penas de morte e perpétua, a castração química em casos de pedofilia e de estupro e até mesmo da utilização de corpos de criminosos hediondos para retirada compulsória de órgãos para transplante.
Há também os que defendem a permissão de atos de tortura para obtenção de confissões, bem como a ampliação dos direitos de policiais militares e civis de matar criminosos em combate.
A criatividade vai mais além: há ainda os que defendem o retorno da ditadura militar ou da monarquia, por considerar tais regimes como um porto seguro para a tranquilidade e a paz social, bem como para o combate à corrupção.
Entretanto, todas as soluções acima, divulgadas pela mídia e oriundas de cidadãos e de diversas entidades da sociedade civil atacam fundamentalmente as consequências e não as causas.
Vejamos: se a reduçao da maioridade fosse solução era só situá-la em 1, 2 ou e anos de idade!!! A adoção da pena de morte e da castração, além de possuírem elevada capacidade de produzirem erros, atacariam somente os criminosos em quem fossem aplicadas, jamais influindo na gênese do problema. Maior liberdade para o assassinato legal, além do potencial de erros, possivelmente colocaria a sociedade à mercê daqueles maus policiais que hoje já se assemelham aos marginais. Já a ditadura ou a monarquia seriam típicas soluções de avestruz, uma vez que o controle e a restrição de informações foram manobras historicamente adotadas por ambos os regimes.
Por analogia ao pensamento de Hanna Arendt, concluímos com facilidade que a banalização do mal ocorre em duas vertentes:
- Por nos acostumarmos com ele a tal ponto de o considerarmos corriqueiro (como aconteceu com o jogo do bicho, com as propinas a funcionários públicos, com os pequenos furtos de consumo em supermercados, com o "fura-fila", com as infrações de trânsito e outros).
- Por admitirmos a contraviolência, ou seja, a aplicação pelo Estado da mesma qualidade da ação empreendida pelos meliantes (como aconteceu com a condescendência social à tortura policial, com os linchamentos por parte de cidadãos indignados, com a excessiva violência empreendida por órgãos de segurança e outros).
O problema é gigantesco e não será com soluções oportunistas ou motivos de ocasião (como as Olimpíadas e a Copa do Mundo) que poderemos resolvê-lo.
Se a sociedade civil, legisladores, políticos e magistrados não se reunirem em um projeto amplo, porém rápido, de revisão da estrutura normativa penal e processual com vistas a adequar o Brasil ao século XXI, teremos que conviver a cada dia mais com a crescente violência.
Se a educação formal brasileira não for ampliada e aprofundada para os bolsões de pobreza (inclusive com incentivos à permanência de alunos em salas de aula), veremos crescer mais ainda as diferenças sócioeconômicas que são, em potência, o germe do mal.
Se a redistribuição da renda e a melhoria de qualidade da saúde pública não forem colocadas em prática, veremos estender-se a revolta e o sentimento de revanche daqueles que, esquecidos pela pátria, encontram muitas vezes nas organizações marginais a proteção que anseiam.
Se por outro lado nós abraçarmos o princípio de atacar a criminalidade com seus instrumentos, sua forma e suas armas, estaremos fadados ao fracasso, pois as batalhas serão desiguais em nosso desfavor.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O compromisso do julgador e a efetividade da lei


Sílvio Lanna
Em 7 de fevereiro de 2007, por volta das 21,30 horas uma mulher comum aguardava a abertura de um semáforo comum em um subúrbio comum de uma comum Rio de Janeiro.

Sofreu um assalto comum e, como é comum acontecer, em obediência aos cinco meliantes nada comuns, tiveram que descer do carro a mulher e seus dois filhos, de 13 e 6 anos respectivamente, entregando-o aos criminosos.

Ao arrancarem com o veículo a criança mais jovem - João Hélio - ficou preso pelo cinto de segurança e foi arrastado pelos subúrbios de Madureira, Campinho e Cascadura, totalizando sete quilômetros.

Fizeram esse percurso com os vidros abertos, dirigindo em ziguezague e passando muito próximos de postes e de outros obstáculos com o objetivo de soltar a criança, que seguia continuamente batendo no asfalto.

Testemunhas relataram que, ao avisarem os ocupantes do veículo, foram respondidas com gargalhadas e com a informação de que não seria uma criança, mas sim um "boneco de Judas".

Quatro dos incomuns bandidos foram presos e condenados: Carlos Eduardo Toledo de Lima (pena de 45 anos), Diego Nascimento da Silva (pena de 44 anos), Carlos Roberto da Silva (pena de 39 anos) e Tiago de Abreu Matos (pena de 39 anos).

Faltou um, justamente nosso "herói". Faltou o Ezequiel Toledo de Lima, à época com 15 anos, portanto menor de idade.

Cumpriu três anos de medida socioeducativa e, ao completar dezoito anos foi libertado por sentença judicial. Durante o pequeno tempo em que esteja alijado da sociedade participou de uma violenta rebelião e ainda tentou matar um agente penitenciário.

Nas palavras do juiz que determinou a soltura, a lei teve que ser cumprida, uma vez que o meliante atingiu a maioridade.

Sob o patrocínio jurídico da ONG Projeto Legal (http://www.projetolegal.org.br/), Ezequiel e sua família foram incluídos no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, o que lhes garantirá até mesmo troca de identidades. A justificativa é que nosso "herói" estaria sendo ameaçado por sabe-se-lá quem e poderia ser assassinado...

Os infelizes episódios reacenderam as discussões sobre a efetividade da lei criminal, bem como sobre a maioridade penal. Há gente com opiniões diversas e já há na Internet diversos endereços com novas enquetes sobre pena de morte (como sempre ocorre após episódios como este).

Há, porém, oitos e oitentas...

Há Carlos Nicodemos, representante da ONG Projeto Legal, que justifica a proteção que a entidade dará a Ezequiel sob o argumento de que ele estaria ameaçado de morte por outros detentos do instituto correcional em que estiveram reclusos.

Há ainda aqueles que querem a redução da maioridade penal, como o costumeiro arauto da ditadura e defensor do obscurantismo, deputado Jair Bolsonaro, que chega ao extremo de defender a pena de morte e a tortura policial como soluções para a criminalidade em nosso país.

Há nada menos que trinta e nove Propostas de Emendas Consticucionais requerendo alteração da maioridade penal, sendo 29 na Câmara Federal e 10 no
Senado. Relativamente à idade a partir da qual o cidadão perderia sua imputabilidade criminal, podendo ser processado, condenado e preso, estão as PECs assim divididas:
-A partir dos 16 (dezesseis) anos há vinte e oito propostas.
- Apartir de qualquer idade, desde que haja laudos de profissionais competentes atestando a capacidade criminal e/ou abrangendo determinados crimes de maior gravidade há seis propostas.
-A partir dos 17 (dezessete) anos há uma proposta.
-A partir dos 14 (quatorze) anos há duas propostas (dos deputados Nelo Rodolfo, do PMDB-SP e Nélson Marquezelli, do PTB-SP).
-A partir dos 13 (treze) anos há uma proposta (do senador Magno Malta, do PR-ES).
-A partir dos 12 (doze) anos há uma proposta (do deputado Brasileiro, do PMDB-MG).
Relembremo-nos agora de outro crime rumoroso e trágico ocorrido em São Paulo: em 5 de novembro de 2003 dois bárbaros assassinos (tão incomuns quanto Ezequiel e seus comparsas) que atendiam pelos nomes de Champinha e Pernambuco seviciaram e assassinaram Liana Friedenbach e Felipe Caffé.
Pernambuco foi condenado a 110 anos de prisão em regime fechado (sentença não mais sujeita a recursos) e Champinha foi enviado para um instituto correcional, assim como Ezequiel, uma vez que também era menor.
Ainda da mesma forma que Ezequiel, esteve envolvido em fuga e há relatos de que sofreu diversas ameaças à vida. Também de forma semalhante a nosso "herói", ao atingir a maioridade não poderia mais permanecer sob a custódia do Estado - também deveria ser libertado.
Ocorre que no caso de Champinha foi requerida avaliação psiquiátrica, sendo que os especialistas atestaram que ele apresentava personalidade perigosa e possivelmente incurável, não estando apto ao convívio social. O juiz então determinou sua internação em clínica psiquiátrica penal por tempo indeterminado.
É bom que nos lembremos que à época também houve grande alvoroço relativamente à maioridade penal, sendo que algumas das PECs sobre o tema foram apresentadas justamente naquele momento.
Percebemos que houve dois pesos e duas medidas, dois problemas e duas soluções. A diferença é que uma delas resolveu efetivamente a questão, atribuindo a devida pena a um cruel criminoso e protegendo a sociedade de sua presença nefasta.
Considerando-se os relatos de testemunhas no caso do menor João Hélio, o assassino Ezequiel portou-se de maneira fria, cruel e indiferente para com a vida da criança. Aparentemente, portanto, identifica-se com Champinha nas características de personalidade e de caráter. Que o confirmem ou não os profissionais competentes.
Por que então no caso dele o Estado providenciará tão efetiva proteção?
É pergunta que deve ser encaminhada ao dirigente da ONG e ao juiz da causa. A resposta, mais que uma satisfação à sociedade, será uma verdadeira prestação de contas por parte daqueles que, dentre outros, são remunerados exatamente para defender a sociedade, cada um por seus meios.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Atrás das grades


Sílvio Lanna
Fim do primeiro tempo no caso arrudagate: contrariando algumas expectativas o Ministro do STJ Marco Aurélio Mello negou provimento ao habeas corpus impetrado por José Roberto Arruda, governador de Brasília, atualmente afastado das funções.
Sua defesa recorreu ao Supremo Tribunal Federal sob o argumento de que o ato seria inconstitucional. Aquela Corte deverá manifestar-se na primeira quinzena de março, garantindo a Arruda no mínimo uma estadia de uns vinte dias nas dependências da PF.
O fato assume importância na medida em que a norma legal foi adequadamente obedecida. Restou um sausável sentimento de que a quadrilha brasiliense poderá não se manifestar da tradicional pizza oferecida em casos do gênero.
Falta torcermos para o Supremo manter a linha de atuação do STJ e redimir-se perante a opinião pública de algumas decisões já tomadas, principalmente no caso Daniel Dantas.
Evidentemente não podemos perder de vista a garantia do livre e integral direito de defesa e o princípio da presunção de inocência. Existem casos, entretanto, em que as provas tornam-se públicas, resplandecem em evidências e os acusados não conseguem estruturar defesa convincente (cá entre nós, panetones???). É precisamente o caso da máfia claramente chefiada por José Roberto Arruda.
Resta ainda para completar o painel, que o STF manifeste-se relativamente ao pedido de intervenção federal em Brasília, requerido pelo Procurador da República Roberto Gurgel. Ainda que pouco provável, representará momento histórico, uma vez que jamais ocorreu caso similar em período democrático no Brasil.
Sustenta o procurador o argumento de que o vice, Paulo Octávio, estaria também envolvido com as falcatruas do mensalão do DEM. Megaempresário brasiliense, já foi associado a Sérgio Naya em empreendimentos imobiliários negociados com a Marinha, quando foram levantadas fortes suspeitas de irregularidades (afinal, à época era justamente o genro do Ministro da Marinha). Além disto, em outras oportunidades também sofreu acusações de malversação de recursos públicos.
Esta história toda (e diversas outras recentemente ocorridas) vem escancarar a nossos olhos a existência de piratas especializados em saquear cofres públicos. Sempre agiram com muita liberdade no país, situação que, aparentemente, vem se alterando nos últimos tempos.
Julgar com rapidez e penalizar exemplarmente os integrantes do mensalão Democratas contra os quais tenham sido colhidas provas e evidências será uma extraordinária oportunidade para a Justiça brasileira.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Vozes do Brasil

Canto de Regresso à Pátria
Osvald de Andrade
Minha terra tem palmares
Onde gorgeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte prá São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.
Apesar de Você
Chico Buarque
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse Estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Inda pago prá ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc e tal

Descolonização cultural

Sílvio Lanna.
Neste Carnaval comemoramos um acontecimento aparentemente esquecido pela mídia, mas de capital importância para a cultura brasileira.
Há 88 anos ocorria a Semana de Arte Moderna. De 11 a 18 de fevereiro de 1922 uma legião de fantásticos e visionários artistas brasileiros rebelavam-se contra a imposição cultural estrangeira, manifestando-se oportunamente no ano em que se comemorava o centenário de nossa independência política.
A partir daí a concepção de literatura, música, arquitetura e outras manifestações artísticas não seria mais a mesma.
Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Osvaldo Goeldi, Mário de Andrade, Osvald de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Villa-Lobos, Guiomar Novais e tantos outros pretenderam - e conseguiram - afirmar que a cultura brasileira em seus mais variados segmentos poderia afinar-se com as tendências mundiais, porém mantendo caráter e peculiaridades brasileiras.
Abaixo o complexo de inferioridade e o colonialismo estético, artístico e cultural. Esse era o grito.
A síntese foi brilhantemente exposta por Di Cavalcanti, defendendo a importância de "uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesia paulistana".
Ainda que seus reflexos não se tenham manifestado imediatamente, em razão do profundo conservadorismo da sociedade, espraiaram-se nas décadas seguintes, ecoando as idéias de identidade nacional e de uma cultura identificada com nossos próprios anseios.
O sentimento de nacionalidade caminhou pela década de 30, inclusive na economia, e foi magistralmente captado por JK na segunda metade dos anos 50 e início dos 60, desaguando na obra mais capitalizadora do orgulho nacional, que foi Brasília.
Os anos da odiosa ditadura militar souberam com violência e censura sufocar essa identidade e retornaram com o sentimento de inferioridade e de submissão do povo brasileiro.
O país se tornou refém do capitalismo internacional e alvo das arbitrariedades que calaram não somente as reações civis ao golpe de Estado.
Buscaram calar também a cultura nacional, censurando as manifestações artísticas que, segundo os militares de plantão, não se afinassem com a nova ordem.
Os heróis da resistência manifestaram-se no escuro e felizmente preservaram o que de melhor a inteligência nacional havia conquistado até então.
O fim do poço veio a ocorrer somente com as Diretas Já, que capitanearam manifestações populares não só de repúdio aos obscuros anos da ditadura, mas também do desejo de mudança a partir dali.
O panorama cultural que ostentamos hoje é de grandeza e motivador de nosso legítimo orgulho.
De 22 até agora vivemos movimentos de grande intensidade (e diversidade), talvez filhos da Semana, como Bossa Nova, Tropicalismo, Jovem Guarda, Cinema Novo e outros.
Graças a eles a cultura brasileira em suas mais diversas nuances é respeitada em todo o planeta.
Importante, entretanto, é que não nos esqueçamos daquele momento do big bang ou da ruptura com o passado e da abertura de nossa consciência cultural, ocorrido há precisos 88 anos.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Loucos e santos

Oscar Wide
Escolho meus amigos não pela cor da pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças. para que não esqueçam o valor do vento no rosto: e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Os escândalos de nosso dia a dia

Sílvio Lanna.

É como o clarão do crepúsculo: de início resplandece no horizonte e espraia seus fortes matizes sobre as montanhas. Em seguida, concentra-se nas cores mais fortes, sucumbindo as demais à força da escuridão que se aproxima. Apenas alguns minutos após, a noite toma conta de tudo e cala a explosão de energia que há pouco dominava o céu. E tudo se cala... Pronto: já nos esquecemos do dia que findou.

É também desta forma que outros gritos vão sendo calados no decorrer de nossa vida e da vida de nosso país.

Vamos testar nossa memória?

Quem ainda se lembra de alguns dos casos a seguir listados (apenas uma ínfima amostragem da relação de falcatruas aqui ocorridas): Banco Halles, Grupo Delfim, Coroa-Brastel, Imbrahim Abi-Ackel, Ceme, Georgina de Freitas, esquema PC Farias, Eletronorte, Vasp, DNOCS, Nilo Coelho, Eliseu Resende, Ottomar Pinto, CPI do pó, Anões do orçamento, Paulo Maluf, emenda da reeleição FHC, Banestado, Encol, Banco Marka, TRT-SP, Mensalões, Valerioduto, Correios, Banco Santos, Daniel Dantas, Sanguessugas, passagens aéreas, Renam Calheiros, MSI-Corínthians, José Sarney, etc etc etc...

Agora, rememoremos o mais recente dos casos da interminável lista de abominações e safadezas: o caso José Roberto Arruda em Brasília: após aquela constrangedora sucessão de gravações, mais uma vez a indignação nacional elevou-se aos extremos.

Pois bem, o governador retirou-se do DEM e já nos esquecemos de que sua militância era antiga e de que o partido poderia ter agido previamente. Mas pouco importa, o desgaste sofrido pelos Democratas e pelos tucanos parece ter sido suficientemente controlado.

Encerramos o ano com os protestos da Câmara Distrital de Brasília que, segundo sleus arautos, adiantaria o período legislativo de 2.010 para julgar os fatos e tomar as devidas providências...

O Ano Novo desabrochou sendo precedido e sucedido pelos atos de brutalidade da polícia brasiliense e de alguns de seus altos comandantes. Espancaram estudantes, afrontaram jornalistas, esmurraram mulheres, distribuíram ameaças e jatos de pimenta, enfim, demonstraram para todos nós porque são os brutamontes mais bem pagos do país.

Retornemos à Câmara Distrital: não em 10 de janeiro como prometido anteriormente, mas em 2 de fevereiro os senhores deputados elegeram o presidente da CPI que se propõe a julgar o Arrudagate. Escolheram o deputado Wilson Lima (PR), que não por coincidência é forte aliado político do Governador Arruda. Caberá a ele ainda manifestar-se sobre os oito deputados afastados por terem sido flagrados em atos de corrupção. São todos seus amigos, certamente.

E por falarmos neles, é possível que todos os oito e seus suplentes tenham que dividir as mesmas cadeiras dos respectivos gabinetes. Ou seja, os substitutos atuarão ao lado e ao mesmo tempo em que os substituídos, em uma insólita situação que contraria até mesmo as leis da Física...

Rapidamente já foi solicitado crédito adicional da ordem de R$ 600 mil para enfrentar o pagamento das despesas com os felizes suplentes, que receberão mais de R$ 12 mil mensais, além de férias, 13º, 14º, 15º, cobertura de despesas extraordinárias, custos de gabinete etc etc etc.

Todos juntos, titulares e suplentes torcem desesperadamente para o tempo correr e chegar logo o Carnaval, em seguida a Semana Santa e logo após, o período eleitoral, quando todos estarão muito ocupados para se dedicarem a tão desagradável assunto.

E haja farinha!

Até lá, quem sabe, a memória nacional já se desvencilhou das lembranças e as cores fortes da indignação já se transformaram nos tons pastéis do esquecimento...