sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Descolonização cultural

Sílvio Lanna.
Neste Carnaval comemoramos um acontecimento aparentemente esquecido pela mídia, mas de capital importância para a cultura brasileira.
Há 88 anos ocorria a Semana de Arte Moderna. De 11 a 18 de fevereiro de 1922 uma legião de fantásticos e visionários artistas brasileiros rebelavam-se contra a imposição cultural estrangeira, manifestando-se oportunamente no ano em que se comemorava o centenário de nossa independência política.
A partir daí a concepção de literatura, música, arquitetura e outras manifestações artísticas não seria mais a mesma.
Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Osvaldo Goeldi, Mário de Andrade, Osvald de Andrade, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Villa-Lobos, Guiomar Novais e tantos outros pretenderam - e conseguiram - afirmar que a cultura brasileira em seus mais variados segmentos poderia afinar-se com as tendências mundiais, porém mantendo caráter e peculiaridades brasileiras.
Abaixo o complexo de inferioridade e o colonialismo estético, artístico e cultural. Esse era o grito.
A síntese foi brilhantemente exposta por Di Cavalcanti, defendendo a importância de "uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesia paulistana".
Ainda que seus reflexos não se tenham manifestado imediatamente, em razão do profundo conservadorismo da sociedade, espraiaram-se nas décadas seguintes, ecoando as idéias de identidade nacional e de uma cultura identificada com nossos próprios anseios.
O sentimento de nacionalidade caminhou pela década de 30, inclusive na economia, e foi magistralmente captado por JK na segunda metade dos anos 50 e início dos 60, desaguando na obra mais capitalizadora do orgulho nacional, que foi Brasília.
Os anos da odiosa ditadura militar souberam com violência e censura sufocar essa identidade e retornaram com o sentimento de inferioridade e de submissão do povo brasileiro.
O país se tornou refém do capitalismo internacional e alvo das arbitrariedades que calaram não somente as reações civis ao golpe de Estado.
Buscaram calar também a cultura nacional, censurando as manifestações artísticas que, segundo os militares de plantão, não se afinassem com a nova ordem.
Os heróis da resistência manifestaram-se no escuro e felizmente preservaram o que de melhor a inteligência nacional havia conquistado até então.
O fim do poço veio a ocorrer somente com as Diretas Já, que capitanearam manifestações populares não só de repúdio aos obscuros anos da ditadura, mas também do desejo de mudança a partir dali.
O panorama cultural que ostentamos hoje é de grandeza e motivador de nosso legítimo orgulho.
De 22 até agora vivemos movimentos de grande intensidade (e diversidade), talvez filhos da Semana, como Bossa Nova, Tropicalismo, Jovem Guarda, Cinema Novo e outros.
Graças a eles a cultura brasileira em suas mais diversas nuances é respeitada em todo o planeta.
Importante, entretanto, é que não nos esqueçamos daquele momento do big bang ou da ruptura com o passado e da abertura de nossa consciência cultural, ocorrido há precisos 88 anos.

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