domingo, 21 de fevereiro de 2010

O compromisso do julgador e a efetividade da lei


Sílvio Lanna
Em 7 de fevereiro de 2007, por volta das 21,30 horas uma mulher comum aguardava a abertura de um semáforo comum em um subúrbio comum de uma comum Rio de Janeiro.

Sofreu um assalto comum e, como é comum acontecer, em obediência aos cinco meliantes nada comuns, tiveram que descer do carro a mulher e seus dois filhos, de 13 e 6 anos respectivamente, entregando-o aos criminosos.

Ao arrancarem com o veículo a criança mais jovem - João Hélio - ficou preso pelo cinto de segurança e foi arrastado pelos subúrbios de Madureira, Campinho e Cascadura, totalizando sete quilômetros.

Fizeram esse percurso com os vidros abertos, dirigindo em ziguezague e passando muito próximos de postes e de outros obstáculos com o objetivo de soltar a criança, que seguia continuamente batendo no asfalto.

Testemunhas relataram que, ao avisarem os ocupantes do veículo, foram respondidas com gargalhadas e com a informação de que não seria uma criança, mas sim um "boneco de Judas".

Quatro dos incomuns bandidos foram presos e condenados: Carlos Eduardo Toledo de Lima (pena de 45 anos), Diego Nascimento da Silva (pena de 44 anos), Carlos Roberto da Silva (pena de 39 anos) e Tiago de Abreu Matos (pena de 39 anos).

Faltou um, justamente nosso "herói". Faltou o Ezequiel Toledo de Lima, à época com 15 anos, portanto menor de idade.

Cumpriu três anos de medida socioeducativa e, ao completar dezoito anos foi libertado por sentença judicial. Durante o pequeno tempo em que esteja alijado da sociedade participou de uma violenta rebelião e ainda tentou matar um agente penitenciário.

Nas palavras do juiz que determinou a soltura, a lei teve que ser cumprida, uma vez que o meliante atingiu a maioridade.

Sob o patrocínio jurídico da ONG Projeto Legal (http://www.projetolegal.org.br/), Ezequiel e sua família foram incluídos no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, o que lhes garantirá até mesmo troca de identidades. A justificativa é que nosso "herói" estaria sendo ameaçado por sabe-se-lá quem e poderia ser assassinado...

Os infelizes episódios reacenderam as discussões sobre a efetividade da lei criminal, bem como sobre a maioridade penal. Há gente com opiniões diversas e já há na Internet diversos endereços com novas enquetes sobre pena de morte (como sempre ocorre após episódios como este).

Há, porém, oitos e oitentas...

Há Carlos Nicodemos, representante da ONG Projeto Legal, que justifica a proteção que a entidade dará a Ezequiel sob o argumento de que ele estaria ameaçado de morte por outros detentos do instituto correcional em que estiveram reclusos.

Há ainda aqueles que querem a redução da maioridade penal, como o costumeiro arauto da ditadura e defensor do obscurantismo, deputado Jair Bolsonaro, que chega ao extremo de defender a pena de morte e a tortura policial como soluções para a criminalidade em nosso país.

Há nada menos que trinta e nove Propostas de Emendas Consticucionais requerendo alteração da maioridade penal, sendo 29 na Câmara Federal e 10 no
Senado. Relativamente à idade a partir da qual o cidadão perderia sua imputabilidade criminal, podendo ser processado, condenado e preso, estão as PECs assim divididas:
-A partir dos 16 (dezesseis) anos há vinte e oito propostas.
- Apartir de qualquer idade, desde que haja laudos de profissionais competentes atestando a capacidade criminal e/ou abrangendo determinados crimes de maior gravidade há seis propostas.
-A partir dos 17 (dezessete) anos há uma proposta.
-A partir dos 14 (quatorze) anos há duas propostas (dos deputados Nelo Rodolfo, do PMDB-SP e Nélson Marquezelli, do PTB-SP).
-A partir dos 13 (treze) anos há uma proposta (do senador Magno Malta, do PR-ES).
-A partir dos 12 (doze) anos há uma proposta (do deputado Brasileiro, do PMDB-MG).
Relembremo-nos agora de outro crime rumoroso e trágico ocorrido em São Paulo: em 5 de novembro de 2003 dois bárbaros assassinos (tão incomuns quanto Ezequiel e seus comparsas) que atendiam pelos nomes de Champinha e Pernambuco seviciaram e assassinaram Liana Friedenbach e Felipe Caffé.
Pernambuco foi condenado a 110 anos de prisão em regime fechado (sentença não mais sujeita a recursos) e Champinha foi enviado para um instituto correcional, assim como Ezequiel, uma vez que também era menor.
Ainda da mesma forma que Ezequiel, esteve envolvido em fuga e há relatos de que sofreu diversas ameaças à vida. Também de forma semalhante a nosso "herói", ao atingir a maioridade não poderia mais permanecer sob a custódia do Estado - também deveria ser libertado.
Ocorre que no caso de Champinha foi requerida avaliação psiquiátrica, sendo que os especialistas atestaram que ele apresentava personalidade perigosa e possivelmente incurável, não estando apto ao convívio social. O juiz então determinou sua internação em clínica psiquiátrica penal por tempo indeterminado.
É bom que nos lembremos que à época também houve grande alvoroço relativamente à maioridade penal, sendo que algumas das PECs sobre o tema foram apresentadas justamente naquele momento.
Percebemos que houve dois pesos e duas medidas, dois problemas e duas soluções. A diferença é que uma delas resolveu efetivamente a questão, atribuindo a devida pena a um cruel criminoso e protegendo a sociedade de sua presença nefasta.
Considerando-se os relatos de testemunhas no caso do menor João Hélio, o assassino Ezequiel portou-se de maneira fria, cruel e indiferente para com a vida da criança. Aparentemente, portanto, identifica-se com Champinha nas características de personalidade e de caráter. Que o confirmem ou não os profissionais competentes.
Por que então no caso dele o Estado providenciará tão efetiva proteção?
É pergunta que deve ser encaminhada ao dirigente da ONG e ao juiz da causa. A resposta, mais que uma satisfação à sociedade, será uma verdadeira prestação de contas por parte daqueles que, dentre outros, são remunerados exatamente para defender a sociedade, cada um por seus meios.

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