sábado, 31 de julho de 2010

A arapuca do dinheiro fácil




Sílvio Lanna
Mais um golpe financeiro na praça, sucedendo a tantos outros que costumeiramente frequentam a mídia. Desta vez os lugares escolhidos foram Belo Horizonte, a pequena Vazante e outras modestas cidades do Vale do Jequitinhonha. O "empresário" Thales Emanuelle Maioline, utilizando-se da arapuca denominada FIRV Consultoria e Administração de Recursos Financeiros Ltda., colocou em prática uma pirâmide financeira que lesou centenas de investidores. O montante até agora apurado atinge R$ 50 milhões.
O estelionatário está desaparecido e suspeita-se que os valores tenham sido transferidos para contas em paraísos fiscais. Para atrair suas vítimas ele afirmava remunerar as aplicações em 6% ao mês mais 30% após atingidos seis meses. Nada menos que inacreditáveis onze por cento ao mês!!!!!
Segundo o esquema, tratava-se de clube de investimentos em ações de primeira linha, como BB, Bradesco, Vale, BR e outras. A garantia de rentabilidade mínima, entretanto, nos indicaria a existência de hedge, constituindo-se em investimento conservador e de baixo risco. Absolutamente nada mais incompatível com tão elevada rentabilidade. Apesar das claríssimas evidências de que se tratava de uma pilantragem, várias pessoas entregaram todos os seus recursos ao nosso tupiniquim Bernard Madoff (golpista que lesou milhares de pessoas nos EUA).
O que justificaria tal ingenuidade? A meu ver, trata-se de mistura entre ingenuidade, desapego às normas de segurança e, inevitavelmente, ganância. Se cada um desses aplicadores houvesse pensado mais um pouco e procurado algum profissional competente para aconselhar-se, com toda a certeza não teria caído em oferta tão descabida. Agora é tarde.
É tarde também para as vítimas de outras maracutaias recentemente ofertadas com pompa e circunstância no Brasil.
Tivemos o golpe da Fazenda Boi Gordo, que prometia quase 40% de rentabilidade anual a quem se dispusesse a converter seu dinheiro em um pedacinho de um boi no pasto. Diziam seus administradores que o plantel ultrapassava as cem mil cabeças. Entretanto, quando a fraude foi descoberta, seriam necessárias, na realidade, 1,5 milhão de bovinos para lastrear os investimentos captados.
Na mesma linha houve ainda a Avestruz Master que prometia as mesmas operações e retornos e também gerou vítimas, alterando somente o bicho.
Mudando de ramo houve ainda a falcatrua da Brasil Container Ltda, em Contagem, que gerou cerca de cinco mil vítimas e montante superior a R$ 10 milhões, resultando em aproximadamente 1.000 processos judiciais com irrisórias chances de sucesso.
Quanto àqueles que desejam ampliar as possibilidades de renda para seus capitais, é bom lembrar que o assunto é para profissionais. Milagres não existem e ousadia é para quem sabe realmente o que faz e conhece os meandros do mercado financeiro.
Cair em uma arapuca destas é o mesmo que comprar um bilhete premiado por uma pequena parte de seu valor: a culpa não é só do estelionatário. A participação da "vítima" na operação não é somente constituída por seu rico dinheirinho, mas também por sua voracidade em auferir lucros e ganância em obter resultados financeiros muito acima dos normais.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

"Alguma Poesia" - 80 anos


Parabéns pelos oitenta anos de seu ingresso na cena literária brasileira e muito obrigado por nos encher de justo e conterrâneo orgulho.


Poema das Sete Faces
Carlos Drummond de Andrade


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
(...)
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
(...)

domingo, 11 de julho de 2010

A guerra que o mundo esqueceu

Sílvio Lanna

Em 11 de julho de 1995, há precisos quinze anos, ocorreu o Massacre de Srebrenica, quando mais de 8.000 bósnios muçulmanos (incluindo crianças e adolescentes) foram exterminados na região de Srebrenica, na Bósnia-Herzegovina, pelo exército sérvio.
A tragédia tem proporções similares às patrocinadas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, incluindo-se no rol dos maiores genocídios já praticados na história da humanidade.
Algumas peculiaridades, entretanto, continuam desafiando o bom senso até o momento. A região do massacre, onde se concentravam mais de quarenta mil muçulmanos refugiados, civis e desarmados, era área mantida sob proteção da ONU, que lá possuía contingente militar. Isso não impediu, entretanto, que as tropas sérvias perpetrassem o ato de selvageria que marcou aquele 11 de julho.
Hoje sabe-se que os membros do Conselho de Segurança da ONU tinham informações de que a invasão sérvia era iminente e do altíssimo risco corrido pela população tutelada pelo órgão internacional. Também é verdade que, em face de tal situação alguns oficiais do exército da ONU sugeriram ataque aéreo como forma de impedir o massacre que se anunciava. Porém o governo holandes postou-se contra, impedindo a medida. Sem voz de comando específica para o enfrentamento dos invasores, os capacetes azuis teriam assistido passivamente ao genocídio, contribuindo com sua inércia para a sentença de morte assinada pelo comandante sérvio, general Ratko Mladic, até hoje foragido, e pelo líder sérvio da Bósnia, Radovan Karadzic, atualmente sob custódia do Tribunal Penal Internacional.
Karadzic, que dispensou advogado, assumindo sua própria defesa, alega que o genocídio não passa de um mito, apesar das evidências constituídas pelos milhares de corpos sepultados em valas comuns. Contra ele pesa ainda a acusação de que teria causado a morte de outras doze mil pessoas (em sua maioria civis), como comandante do cerco a Sarajevo, mantido durante quase quatro anos (de abril de 1992 a fevereiro de 1996).
A Guerra da Bósnia, que possibilitou tamanhas crueldades produziu cerca de duzentos e cinquenta mil mortos e aproximadamente dois milhões de desterrados e refugiados.
Os conflitos internos na ex-Iugoslávia são seculares, envolvendo povos que cultivaram animosidades entre si no decorrer da história, como os sérvios (cristãos ortodoxos), croatas (católicos romanos) e bósnios (muçulmanos). Esses povos constituíram seis regiões distintas e que formavam a unidade iugoslava: Sérvia (incluindo Kosovo e Voivodina), Croácia, Eslovênia, Montenegro, Bósnia e Herzegovina e Macedônia.
A união nacional foi mantida durante o domínio soviético e capitaneada pelo General Tito, até seu falecimento em 1980. A partir daí as rivalidades recrudesceram até que em 1987 estourou a guerra civil que culminaria pelo esfacelamento nacional e pela divisão do país que permanece até hoje.
Duas particularidades despontam no conflito: a conduta vacilante e muitas vezes inerte da ONU e o desinteresse das grandes potências (EUA e países europeus) pelo conflito e pelos atos de crueldade cometidos.
Os Estados Unidos não teriam mesmo qualquer incentivo para se interessarem pelo futuro da região. Afinal, lá não se produz petróleo e nem outros bens interessantes sob o aspecto econômico. Além disto, a possibilidade de lá cravarem uma base militar ou parte do escudo de mísseis há muito planejado (e recentemente negociado com o governo polonês) era irrisória em função da ainda persistente influência russa na região. Portanto, nem a diplomacia e nem os marines foram destacados para acompanhar ou para intervir no conflito. E o genocídio foi consumado sob os olhares complacentes da ONU e dos EUA.
Com relação às potências européias, viram-se constrangidas também a intervir em razão de questões que julgaram difíceis de contornar. Por um lado, a existência de alguns países de postura historicamente antagônica no apoio, uns aos bónios e outros aos sérvios. Por outro lado, temiam também que sua intervenção contra os massacres pudesse "importar" o conflito para dentro de suas fronteiras. Portanto, melhor seria não intervir na carnificina, em uma postura de "lavar as mãos" que reflete evidente covardia e, por que não dizer, cumplicidade.
A mídia, por sua vez, considerando não contar com os interesses e patrocínios dos Estados Unidos e da Europa, também relegou a segundo plano o conflito iugoslavo, cujas notícias foram parar no baú do esquecimento.

sábado, 10 de julho de 2010

Aos que vierem depois de nós


Bertolt Brecht
Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fonte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranquilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?
É certo: ganho meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"
Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.
Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.
Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
No meu tempo as ruas condizuam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
se sentiam, sem mim, mais seguros, - espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.
Íamos, com efeito,
mudando mais frequentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.
E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

domingo, 4 de julho de 2010

Cem mil contra o regime



Sílvio Lanna


Outro aniversário importante ocorrido no final do mês de junho: o da Passeata dos Cem Mil.
Em 28 de março de 1968 Edson Luís Lima Souto foi baleado e morto pela polícia, que invadiu o restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, onde faziam suas refeições os estudantes de baixa renda.
O momento político era dramático. A repressão da ditadura atingia grau intenso; a violência e a tortura eram praticadas normalmente pelos militares sob a alegação de combate à subversão.
O movimento estudantil, por sua vez, acirrou as manifestações de protesto em face da situação, todas reprimidas pela polícia com violência e prisões (chegaram a 300 no protestos ocorridos em 19 de junho, em frente à UFRJ).
Três dias depois, novo protesto dos estudantes ocorrido em frente à embaixada americana terminou com ainda mais violência. Foram cerca de oitenta feridos, quase mil presos e diversos carros da polícia destruídos, no episódio que ficou conhecido como "sexta feira sangrenta".
Tudo isto resultou na "Passeata dos Cem Mil", em 26 de junho, considerada a maior e mais importante manifestação popular em repúdio à ditadura. Estudantes, intelectuais, religiosos, artistas e populares concentraram-se em frente à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, e caminharam até o prédio da Assembléia Legislativa em manifestação que durou três horas.
A partir dessa data outros fatos também importantes, como o congresso clandestino da UNE em Ibiúna (outubro de 1968) e outros, foram combatidos pela ditadura com ainda mais violência, prisões e torturas. Em 13 de dezembro do mesmo ano os generais impõem ao país o AI-5, institucionalizando a repressão e consolidando seu poder como absoluto, mergulhando o país em um período ainda mais tenebroso.

Páginas da resistência brasileira




Sílvio Lanna
Linguagem ferina, criatividade, humor agudo, crítica política, presença de espírito, irreverência em sua mais sublime expressão, além de outras características peculiares fizeram do tablóide O Pasquim um marco no jornalismo brasileiro, que fez aniversário recentemente.
Lançado em 26 de junho de 1969, manteve suas publicações até 11 de novembro de 1991 (edição nº 1072). Fundado por Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio Cabral, com o passar do tempo a ele se juntaram Ziraldo, Millôr Fernandes, Claudius, Henfil, Paulo Francis, Ivan lessa, Fausto Wolf, Ruy Castro e outros importantes intelectuais. Quando da prisão de quase toda a equipe do jornal (de novembro de 1970 a fevereiro de 1971) ele quase foi fechado, não fosse pela intervenção de Chico Buarque, Antônio Callado, Rubem Fonseca, Odete Lara, Gáuber Rocha e outros, que o assumiram naquele período.
O Pasquim afrontou a ditadura militar, ridicularizou ícones e cutucou a sizudez nacional aterrorizada pelo regime de força. Foi também o porto onde atracaram grandes nomes da inteligência nacional, que contribuíram decisivamente para fustigar o regime e levar ao público leitor uma visão ácida, porém hilariante, da realidade nacional.
Foi um fenômeno editorial, chegando a atingir tiragens de até 250.000 exemplares. Os militares tudo fizeram para calar sua voz: censuraram, prenderam seus editores e coagiram anunciantes para retirada de patrocínios. Nada disto adiantou, entretanto, só tendo servido para aumentar a curiosidade - e as vendas - dos leitores.
A situação, com seus altos e baixos, durou até início da década de 80, quando a direita passou a utilizar-se de um argumento altamente convincente: explodir as bancas que vendiam jornais alternativos, como O Pasquim. A partir daí a publicação, que já vinha sofrendo agruras com a fuga de anunciantes, perdeu gradativamente também seus pontos de venda, sendo obrigada a encerrar as atividades no início da década de 90.
O jornal marcou seu espaço na história de nosso país pela coragem com que se manifestava, tendo sido a voz de muitos que foram obrigados a se calar pela violência do regime.
A TV Câmara produziu um excelente documentário sobre o tablóide, intitulado "O Pasquim - A subversão do Humor", com download na página http://www.camara.gov.br/internet/tvcamara/?lnk=COPIAR-ARQUIVO&tituloMateria=O-PASQUIM-A-SUBVERSAO-DO-HUMOR&selecao=ARQUIVO&materia=17536&programa=104&velocidade=56K .
É um documento histórico sensacional e que merece ser visto e revisto. O Pasquim serviu ainda de inspiração para os jornais Planeta Diário e Casseta Popular, que mais tarde dariam origem ao programa Casseta e Planeta.