domingo, 5 de setembro de 2010

A globalização da hipocrisia


Sílvio Lanna

O presidente Sarkozy promoveu a expulsão de setecentos ciganos do país, repatriando-os para a Romênia e a Bulgária. E isto é apenas o começo do projeto de limpeza étnica pretendido pelo líder francês, que pretende retirar do país os imigrantes tidos por ele como indesejáveis. Sarkozy, cuja esposa e primeira dama Carla Bruni é italiana (e, portanto, imigrante) faria inveja a um colega que também tinha o hábito promover "circulação compulsória" de pessoas: Adolf Hitler.

Já na Alemanha, onde os neonazistas se divertem atacando turcos e africanos, um tal de Peter Trapp, arvorando-se em autoridade no assunto, sugeriu a aplicação de testes de inteligência para os pretensos imigrantes. O assunto não foi avante (talvez tenham aplicado o teste no autor...).

Na Itália o presidente Berlusconi, de vida pessoal duvidosa e conduta política constantemente sob suspeita, adotou medidas que vão desde a multa até mesmo à detenção de seis meses a três anos.

A Espanha, que no ano passado deportou vários brasileiros que para lá se dirigiam legalmente, também adota a política de expulsões para os ilegais. Além disto, o governo propos medidas mais restritivas que incluem prisão e isolamento de até sessenta dias até o julgamento de cada caso.

Na Áustria, também exteriorizando seu ódio contra imigrantes o FPO, partido de extrema direita que deverá ser titular de um quarto dos cargos políticos do país, vem empreendendo forte política racista e xenófoba, prometendo prender e expulsar estrangeiros.

Pela Europa afora as manifestações se sucedem e principalmente os cidadãos de origem africana e sulamericana são a cada dia mais rejeitados e perseguidos.

Todos eles aparentemente se esquecem que sempre defenderam e praticaram a globalização econômica, expandindo para além das fronteiras suas empresas tornadas multinacionais. Investiram fortemente nos planos de privatização (pérolas da teoria globalizante), como aconteceu no Brasil nas áreas de telefonia, bancos e outras.

Todos sabemos que os interesses aí contidos não se limitam à diversificação na aplicação de recursos financeiros, mas também no esforço de minimização de custos (notadamente pelo pagamento de menores salários). Afinal, em nações "emergentes" o custo dos profissionais e os respectivos direitos sociais são bem menores que em suas matrizes.

Que o digam a Swarovski (austríaca), a Telefonica e o Santander (espanhóis), a Rhodia, a Citroen e o Leroy Merlin (franceses), a British Petroleum, a EMI e a Castrol (britânicas), a Fiat, a Ferrari e a Pirelli (italianas) e tantas outras.

Trocando em miúdos, os sulamericanos, turcos, africanos e demais indesejáveis prestam-se somente ao fornecimento de mão de obra barata e dócil, mas não são bem vindos nas casas de seus patrões.

Com isto o mundo tem se tornado um lugar pior para se morar ou viajar, a direita vem crescendo assustadoramente, a desigualdade de oportunidades acirra-se e o ser humano, mais ainda que antes, vem sendo classificado e rotulado por castas informais e não escritas.

É o sinal dos tempos em que a história vem sendo escrita somente por um redator, todo poderoso após o fim do equilíbrio geopolítico e muito à vontade após a queda do muro de Berlim.

sábado, 4 de setembro de 2010

Os três dias que abalaram o mundo

Sílvio Lanna
Três dias de paz e amor (e muita marijuana), barro à vontade, chuva, sexo sem culpa, estética psicodélica e música sem parar. Quinhentas mil pessoas se acomodaram como puderam naquela fazenda no município de Bethel entre 15 e 17 de agosto de 1969.
Era tempo de Beatles, de Apollo 11, mas também da contestação à Guerra do Vietnam, da Guerra Fria. Os hippies se despiam da violência e Hendrix explodia criatividade para depois detonar a si próprio.
Cultura e contracultura se estudavam cautelosamente, incertas sobre suas respectivas vinculações e consequências. A era da ingenuidade marcava seu fim em grande apoteose de sexo, drogas e rock in roll, tudo regado à rouca sensibilidade de Joplin e à viagem alucinada do The Who.

Poder à geração 60, que largava pelo caminho além das roupas também os preceitos e preconceitos de então. Era o fim de uma etapa sócio-política da humanidade, que jamais seria a mesma porque os anos 60 e seu povo haviam mudado para sempre.
A geração da flor e do amor já havia mostrado as unhas nos protestos de 68, que descolaram as mágoas e as ansiedades geradas pela Segunda Guerra, permitindo ao mundo seguir seu caminho sem carga desnecessária.
Na esteira de tanta libertação vieram também os anticoncepcionais que permitiram a explosão de sensualidade sem cuidados nas comunidades hippies e nas colinas de Bethel. E as mulheres fizeram amor e fizeram história - a sua própria. E se inseriram neste mundo machista definitivamente como protagonistas, sem que tenha sido necessário queimar soutiens.
Era época do pai se sentar à cabeceira da mesa e se servir antes dos demais. Hoje ele simplesmente não está lá e os filhos se servem como desejam, muitas vezes errando na dose.
Neil Armstrong pisava na lua e no Brasil nascia nas telas Macunaíma, nosso ícone contracultural, profético e antropofágico. Mas não nos devorou a todos. Ao contrário, integrou-se a nós agitando (mas não muito) a bandeira do jeitinho, verdadeiro protótipo da gambiarra nacional.
Na Inglaterra, também em 69, aparecia o Monty Python sacudindo e enviesando o humor mundial. Afastou o pastelão e inseriu na comédia, definitivamente, a irreverência e o non sense. Fez-nos rir de nossos tabus e de nossos dogmas, relaxando-nos a coluna vertebral.
O Concorde alça vôo em uma escala que prometia revolucionar a aviação comercial. Em Brasília, capital ainda pré-adolescente, tomava posse o General Médici, tingindo de chumbo os anos já tormentosos da ditadura brasileira.
Lá em Bethel, ao som de Joe Cocker e do Credence a imensa multidão comemorava a era de Aquarius. Foram para lá impulsionados por algo que os dominou, como em Contatos Imediatos de Terceiro Grau. Talvez fosse a condução dos anjos indicando o caminho do futuro...
Não, não adianta reprisar o que ocorreu naqueles seiscentos acres naqueles três dias. Há fatos para os quais a história reserva cenários próprios, datas específicas e funções peculiares. E é a própria história que se incumbe de mostrar que a tentativa de reprodução de tais circunstâncias jamais consegue o brilho original e na maioria das vezes acaba dando em completo fracasso.
Restam lembranças e a consciência de que Woodstock, hoje aos quarenta e um, foi um marco que jamais será reproduzido. Até porque, aparentemente, existiu com objetivos pré-definidos. O que nos resta é avaliar o que fizemos com a liberdade e com os cacos das gerações passadas.
Enquanto isto, podemos relembrar algumas páginas marcantes daquele agosto:

Joe Cocker - A Little Help From My Friends

http://www.youtube.com/watch?v=uQYDvQ1HH-E&feature=fvsr

The Who - Pinball Wizard

http://www.youtube.com/watch?v=NTMrUj6ufgM&feature=related

Janis Joplin - Summertime

http://www.youtube.com/watch?v=A27FF2T2z2k

Joan Baez - One Day at a Time

http://www.youtube.com/watch?v=DDSNJ_Ky-r4

Creedence Clearwater Revival - I Put A Spell On You

http://www.youtube.com/watch?v=4R6nmKjcSeU

Jimi Hendrix - Hino Americano

http://www.youtube.com/watch?v=IqDbBVON2SM&feature=fvst