Pablo Neruda
Lenta infância de onde
como de um pasto
comprido
cresce o duro
pistilo,
a madeira do homem.
Quem fui? O que
fui? O que fomos?
Não há resposta.
Passamos.
Não fomos. Éramos.
Outros pés,
outras mãos, outros
olhos.
Tudo foi mudando
folha por folha,
na árvore. E em ti?
Mudou a tua pele,
o teu cabelo, a tua
memória. Aquele que não foste.
Aquele foi um
menino que passou correndo
atrás de um rio, de
uma bicicleta,
e com o movimento
foi-se a tua vida
com aquele minuto.
A falsa identidade
seguiu os teus passos.
Dia a dia as horas
se amarraram,
mas tu já não
foste, veio o outro,
o outro tu, e o
outro até que foste,
até que te
arrancaste
do próprio
passageiro,
do trem, dos vagões
da vida,
da substituição, do
caminhante.
A máscara do menino
foi mudando,
emagreceu a sua
condição enfermiça,
aquietou-se o seu
volúvel poderio:
o esqueleto se
manteve firme,
a construção do
osso se manteve,
o sorriso,
o passo, o gesto
voador, o eco
daquele menino nu
que saiu de um
relâmpago,
mas foi o
crescimento como um traje!
Era outro o homem e
o levou emprestado.
Assim aconteceu
comigo.
De silveste
cheguei a cidade, a
gás, a rostos cruéis
que mediram a minha
luz e a minha estatura,
cheguei a mulheres
que em mim se procuraram
como se a mim
tivessem perdido,
e assim foi
sucedendo
o homem impuro,
filho do filho
puro,
até que nada foi
como tinha sido,
e de repente
apareceu no meu rosto
um rosto de
estrangeiro
e era também eu
mesmo:
era eu que crescia,
era tu que
crescias,
era tudo,
e mudamos
e nunca mais
soubemos quem éramos,
e às vezes
recordamos
aquele que viveu em
nós
e lhe pedimos algo,
talvez que se recorde de nós,
que saiba pelo
menos que fomos ele, que falamos
com a sua língua,
mas das horas
consumidas
aquele nos olha e
não nos reconhece.