domingo, 22 de abril de 2012
Pelo sertão de Nosso Senhor
sábado, 21 de abril de 2012
A visita
Sílvio Lanna
A solidão apertava mais uma vez.
Sentia-se exilado do mundo, perdido em vãos pensamentos que mais uma vez repetiam-se insistentes. Noite de sábado, até um pouco de vento tentava trazer-lhe algum conforto, mas a angústia crescia tomando-lhe pulsos e tornozelos imobilizando-o, derramado que estava na velha poltrona.
Tentava trazer à mente as doces recordações do tempo em que ainda era útil e respeitado. Mas nada que refluía de sua mente cansada possuía algum sabor adocicado. Eram só lembranças amargas ou tornadas assim pelo despejar seguido dos anos que se acumulavam em sua alma.
Da casa vizinha um também solitário piano desafiava acordes que resvalavam nos batentes, paredes e gelosias, derrubando-se intrometidos em seus ouvidos.
Era a mulher de seu Orquídio, homem mau que só lhe dedicava olhares de desprezo e com quem jamais trocou qualquer dedo de prosa.
Talvez ela também fosse solitária como ele ou como o piano que esticava seus agudos na tentativa de permanecer mais alguns segundos pairando no ar. No fundo era como ele também fazia: esticava sua vida na esperança de que seu estado de só pudesse um dia cobrir-se de algum consolo.
Não foi sempre assim, antes era bom. Já possuiu motivos para sorrir e as lágrimas que alguma vez lhe brotaram eram de puro amor, um amor tão intenso que jamais deveria ter nascido.
Mas o tempo passa e com ele vão se desgarrando as alegrias, as companhias, os sorrisos e o coração vai ficando mais pesado. Passa a bater descompassado, triste também, com a responsabilidade de carregar tantos fardos que às vezes imagina não suportar.
Esquece o ritmo e por vezes ameaça parar. É assim que responde, também solitário, à falta do calor de um abraço ou do conforto de um afago que antes o faziam acelerar-se de emoção até quase brotar pela boca.
O velho piano insistia em revoar seus acordes belos e tristes, espetando como agulhas e fazendo borbulhar ainda mais as recordações que libertavam tantas lágrimas.
De onde estava olhou mais uma vez pela janela entreaberta que descortinava um pedaço do mal cuidado jardim. Mais à frente um portãozinho verde mantinha-se fechado. O relógio implacável já caminhava para as dez da noite.
Não, novamente ele não virá...
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Quando o burro é muito burro não consegue nem se disfarçar de zebra...
Este Sindicato recebeu nas últimas horas dezenas de reclamações relativas a forma como integrantes do programa humorístico CQC tem (sic) se comportado em entrevistas coletivas e solenidades governamentais. O episódio mais recente e gravoso ocorreu na visita da Secretária de Estado dos EUA. Tal comportamento tem gerado constrangimentos e atritos que frequentemente prejudicam o bom desempenho dos profissionais de imprensa, muitas vezes precipitando o encerramento das coletivas e solenidades, e resultando em maior a restrição no acesso dos jornalistas às autoridades.
Sem desmerecer o trabalho humorístico, acreditamos que nossa sociedade carece, em maior grau, de informações de qualidade, e neste sentido, defenderemos sempre a preponderância da atividade jornalística sobre a humorística.
Aos responsáveis pelas Assessorias de Imprensa e Cerimonial de Governo - especialmente da Presidência da República e do Ministério das Relações Exteriores - solicitamos a adoção das medidas necessárias para garantir tal preponderância. Não nos consta que em qualquer outro lugar do mundo profissionais de imprensa e humoristas recebam o mesmo tipo de credenciamento.
Aos colegas jornalistas colocamos nosso departamento jurídico a disposição para eventuais ações judiciais por danos morais ou físicos.
E por fim suscitamos aos profissionais do CQC uma reflexão sobre seu modus operandi, levando em consideração princípios como respeito e profissionalismo.
Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF
El hipócrita pequeño rey
O rei Juan Carlos I de Espanha é mais uma personalidade a justificar a máxima "faça o que digo mas não o que faço". O hipócrita reizinho que ao lado de outros monarcas é peça decorativa, vivendo inutilmente à custa de seu povo, dedica-se a frivolidades por falta de mais o que fazer.
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Revelações secretas do VI Cumbre
domingo, 15 de abril de 2012
sábado, 14 de abril de 2012
O fantástico realismo fantástico de Rubião
A armadilha
Murilo Rubião
Não demonstrava pressa, porém o seu rosto denunciava a segurança de uma resolução irrevogável. Já no décimo pavimento, meteu-se por um longo corredor, onde a poeira e detritos emprestavam desagradável aspecto aos ladrilhos. Todas as salas encontravam-se fechadas e delas não escapava qualquer ruído que indicasse presença humana.
Parou diante do último escritório e perdeu algum tempo lendo uma frase, escrita a lápis, na parede. Em seguida passou a mala para a mão esquerda e com a direita experimentou a maçaneta, que custou a girar, como se há muito não fosse utilizada. Mesmo assim não conseguiu franquear a porta, cujo madeiramento empenara. Teve que usar o ombro para forçá-la. E o fez com tamanha violência que ela veio abaixo ruidosamente. Não se impressionou. Estava muito seguro de si para dar importância ao barulho que antecedera a sua entrada numa saleta escura, recendendo a mofo. Percorreu com os olhos os móveis, as paredes. Contrariado, deixou escapar uma praga. Quis voltar ao corredor, a fim de recomeçar a busca, quando deu com um biombo. Afastou-o para o lado e encontrou uma porta semicerrada. Empurrou-a. Ia colocar a mala no chão, mas um terror súbito imobilizou-o: sentado diante de uma mesa empoeirada, um homem de cabelos grisalhos, semblante sereno, apontava-lhe um revólver. Conservando a arma na direção do intruso, ordenou-lhe que não se afastasse.
Também a Alexandre não interessava fugir, porque jamais perderia a oportunidade daquele encontro. A sensação de medo fora passageira e logo substituída por outra mais intensa, ao fitar os olhos do velho. Deles emergia uma penosa tonalidade azul.
Naquela sala tudo respirava bolor, denotava extremo desmazelo, inclusive as esgarçadas roupas do seu solitário ocupante:
— Estava à sua espera — disse, com uma voz macia. Alexandre não deu mostras de ter ouvido, fascinado com o olhar do seu interlocutor. Lembrava-lhe a viagem que fizera pelo mar, algumas palavras duras, num vão de escada.
O outro teve que insistir:
— Afinal, você veio.
Subtraído bruscamente às recordações, ele fez um esforço violento para não demonstrar espanto:
— Ah, esperava-me? — Não aguardou resposta e prosseguiu exaltado, como se de repente viesse à tona uma irritação antiga: — Impossível! Nunca você poderia calcular que eu chegaria hoje, se acabo de desembarcar e ninguém está informado da minha presença na cidade! Você é um farsante, mau farsante. Certamente aplicou sua velha técnica e pôs espias no meu encalço. De outro modo seria difícil descobrir, pois vivo viajando, mudando de lugar e nome.
— Não sabia das suas viagens nem dos seus disfarces.
— Então, como fez para adivinhar a data da minha chegada?
— Nada adivinhei. Apenas esperava a sua vinda. Há dois anos, nesta cadeira, na mesma posição em que me encontro, aguardava-o certo de que você viria.
Por instantes, calaram-se. Preparavam-se para golpes mais fundos ou para desvendar o jogo em que se empenhavam.
Alexandre pensou em tomar a iniciativa do ataque, convencido de que somente assim poderia desfazer a placidez do adversário. Este, entretanto, percebeu-lhe a intenção e antecipou-se:
— Antes que me dirija outras perguntas — e sei que tem muitas a fazer-me — quero saber o que aconteceu com Ema.
— Nada — respondeu, procurando dar à voz um tom despreocupado.
— Nada?
Alexandre percebeu a ironia e seus olhos encheram-se de ódio e humilhação. Tentou revidar com um palavrão. Todavia, a firmeza e a tranqüilidade que iam no rosto do outro venceram-no.
— Abandonou-me — deixou escapar, constrangido pela vergonha. E numa tentativa inútil de demonstrar um resto de altivez, acrescentou: — Disso você não sabia!
Um leve clarão passou pelo olhar do homem idoso:
— Calculava, porém desejava ter certeza.
Começava a escurecer. Um silêncio pesado separava-os e ambos volveram para certas reminiscências que, mesmo contra a vontade deles, sempre os ligariam.
O velho guardou a arma. Dos seus lábios desaparecera o sorriso irônico que conservara durante todo o diálogo. Acendeu um cigarro e pensou em formular uma pergunta que, depois, ele julgaria, desnecessária. Alexandre impediu que a fizesse.
Gesticulando, nervoso, aproximara-se da mesa:
— Seu caduco, não tem medo que eu aproveite a ocasião para matá-lo. Quero ver sua coragem, agora, sem o revólver.
— Não, além
de desarmado, você não veio aqui para matar-me.
— O que está esperando, então?! — gritou Alexandre. — Mate-me logo!
— Não posso.
— Não pode ou não quer?
— Estou impedido de fazê-lo. Para evitar essa tentação, após tão longa espera, descarreguei toda a carga da arma no teto da sala.
Alexandre olhou para cima e viu o forro crivado de balas. Ficou confuso. Aos poucos, refazendo-se da surpresa, abandonou-se ao desespero. Correu para uma das janelas e tentou atirar-se através dela. Não a atravessou. Bateu com a cabeça numa fina malha metálica e caiu desmaiado no chão.
Ao levantar-se, viu que o velho acabara de fechar a porta e, por baixo dela, iria jogar a chave.
Lançou-se na direção dele, disposto a impedi-lo. Era tarde. O outro já concluíra seu intento e divertia-se com o pânico que se apossara do adversário:
— Eu esperava que você tentaria o suicídio e tomei precaução de colocar telas de aço nas janelas.
A fúria de Alexandre chegara ao auge:
— Arrombarei a porta. Jamais me prenderão aqui!
— Inútil. Se tivesse reparado nela, saberia que também é de aço. Troquei a antiga por esta.
— Gritarei, berrarei!
— Não lhe acudirão. Ninguém mais vem a este prédio. Despedi os empregados, despejei os inquilinos.
E concluiu, a voz baixa, como se falasse apenas para si mesmo:
— Aqui ficaremos: um ano, dez, cem ou mil anos.
Genocídio portenho
Ontem as agências de notícias publicaram confissão do ex-presidente Jorge Videla (ditador na Argentina de 1976 a 1981) de que realmente foi o responsável por aproximadamente oito mil assassinatos e desaparecimentos de opositores políticos naquele país. Trata-se de um verdadeiro genocídio que, somado a outros crimes similares cometidos pelos demais ditadores portenhos revela o horror das ditaduras, semelhantes em qualquer lugar do mundo.
A notícia, ao contrário do que possamos pensar, não se circunscreve às fronteiras argentinas. A Operação Condor - hoje conhecida em detalhes -, reuniu as ditaduras de Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai em uma verdadeira associação do mal, onde táticas de guerra e de tortura eram trocadas, assassinados cometidos além das próprias fronteiras, desafetos eram perseguidos onde estivessem, enfim, um verdadeiro sindicato do crime. Assim, nossos ditadores domésticos no mínimo foram condescendentes com o terror praticado pelo Estado argentino naqueles momentos.
Como em vários outros casos similares, os carrascos institucionalizados desculpam a si mesmos pelas barbaridades praticadas. Cinicamente Videla informou que "Não havia outra solução. Na cúpula militar estávamos de acordo que era o preço a se pagar para ganhar a guerra contra a subversão e precisávamos de um método que não fosse evidente, para que a sociedade não o percebesse”.
Esta é a tônica de qualquer regime de exceção: o ditador de plantão julga mesmo que detém o direito e o mandato para agir conforme seus desejos. As aspirações da sociedade são simples detalhes a serem manipulados conforme julguem necessário. Assim, todo ditador julga-se Deus (ou no máximo enviado dele), como ocorreu com Hitler, alter ego de todos eles.
Continuou o monstro portenho: "Tenho peso na alma, mas não estou arrependido de nada. Gostaria de fazer esta contribuição para que a sociedade saiba o que aconteceu e para aliviar a situação de muitos oficiais que atenderam às minhas ordens".
Importante tomarmos conhecimento de tais fatos e da história de nossos vizinhos. O Brasil não é uma ilha, assim como a América do Sul e nem qualquer outra região ou Nação. Buscar a verdade em qualquer momento histórico é um direito de todos nós e um dever das instituições hoje redemocratizadas.
Esta a importância da nossa Comissão da Verdade, que deverá cumprir seu papel de colocar-nos nos trilhos da fidelidade histórica, ainda que seu sabor oscile entre o azedo e o amargo.
Sobre o tema falaremos posteriormente.
quarta-feira, 11 de abril de 2012
11 de abril: o início da longa noite
Trinta e um de março foi só o golpe, só o anunciar da violência. Foi em 11 de abril de 1964 que o congresso brasileiro (aqui com minúsculas mesmo) "elegeu" (!) o primeiro general presidente da linhagem que desfechou a noite institucional em nosso país: general Castelo Branco.