terça-feira, 22 de maio de 2012

A face (quase sempre) oculta da verdade


A Comissão da Verdade mal se instalou e já teve que abordar um emblemático pedido de reparação  - o do Cabo Anselmo. Agente duplo, o militar desincumbia-se da missão de delatar seus companheiros, uma vez que estava a soldo da ditadura, mas fazendo-se de revolucionário. 

Assim como os militares que atuaram no Araguaia e que também pleiteiam serem reparados. Neste caso por terem agido "sob irresistível coação seus superiores" ao cometerem as atrocidades que pouco a pouco afloram do passado soterrado pelos coturnos.

Bom lembrarmos que todos aqueles que pegaram em armas em defesa da democracia, enfrentando uma luta desigual e injusta, também estavam sob "irresistível coação", só que se sua consciência. O que fizeram, certo ou errado, foi movido por princípios e não por cega obediência.

Todos duvidamos que qualquer um daqueles militares que torturaram, esquartejaram e ocultaram corpos também seria tão obediente a uma ordem que os impelisse ao suicídio.

Era evidente que a Comissão negaria as pretensões expressas pelo Cabo Anselmo, como deverá negar também aquelas propostas pelos militares do Araguaia. O enfrentamento à coação moral deve ser buscado na alma, de onde saem  as condutas morais que não podem ser negociadas em troca de soldos. A isto chamamos dignidade, que é algo que um homem jamais pode abrir mão em sua vida, sob pena de não mais merecer o respeito e a solidariedade de seu grupo social.

Por outro lado, os generais também não se calaram em face da Comissão. Recentemente Leônidas Pires, hoje na reserva, critica-a sob os argumentos de que seria extemporânea e representante do passado que deveria ser esquecido. E ainda que, se fizeram o que fizeram, foi em defesa da democracia que hoje permite a discussão recém instalada. E, como em todas as defesas que se lançam em prol dos atos militares, tudo atribui ao cumprimento de uma tarefa que lhes fora designada.

Em bom momento aparece o ex delegado do Dops, Cláudio Guerra, com seu livro "Memórias de uma guerra suja", que bem descreve os meios e as formas que a ditadura utilizou para "desincumbir-se de sua missão".

De tantos exemplos relatados pelo livro, localizamo-nos apenas em solo mineiro. Ficamos sabendo pelo autor que a Lagoa da Pampulha, atrativo tão caro à nossa mineiridade, serviu de cemitério para que as forças de segurança lá jogassem   prisioneiros, após assassinados, esquartejados e atados a pesos. Também tomamos conhecimento de que o subsolo da Delegacia de Furtos e Roubos era outra área destinada aos enterros clandestinos tão a gosto dos órgãos de repressão política.

Será que tarefas como as presentes nos relatos de Cláudio Guerra e tantos outros que já nos chegaram aos ouvidos encontram-se inscritos na "missão" que a sociedade teria delegado aos golpistas?

Não obstante já transcorridos mais de quarenta anos ainda há muitas perguntas sem resposta e muitas interrogações perdidas em nossa história recente. Esse passado precisa ser revirado, tal como a terra dos cemitérios clandestinos, pois todos sabemos que muitas das respostas lá estão e só aflorarão à superfície se todo aquele barro escuro vier à tona.

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