terça-feira, 12 de junho de 2012

Inspirem-se


Enfeitem-se 









                                                                           Acalentem-se...









Abracem-se...








                                                               Protejam-se...







  Troquem frases de amor...








                                                               Cuidem de suas crias...







Sejam carinhosos...






                                                 Façam cafuné...  






Troquem olhares comprometedores...








Mas não se esqueçam daquele presentinho que sintetiza seus sentimentos...




quarta-feira, 6 de junho de 2012

Saudade


                                                                                                          Sílvio Lanna

Aferrolhou a porta, que rangiu sob o peso de tantos anos de serventia.

Era o casarão dos Borges, que testemunhara a riqueza das pepitas rolando ao leito do Ribeirão da Agonia até a aspereza dos tempos de seca que agora vivia. Seca de água, seca de consolo.

Ferrolho na porta, recolheu-se a seus pensamentos e, como sempre fazia todos os dias, ele rememorava particularmente Alzira. E perdeu-se novamente no mar de nostalgia e de saudades que brotavam acalentadas por ausência tão intensa.

Dormiu.

Manhã renascida, entregou-se à lida. Mão na enxada, abateu o mato que teimava por entre as alfaces e as couves. Pé na estrada foi estar no curral onde Zé Carneiro já se desincumbia da tiração do leite e do soltar a vacada pasto acima.

O andar já não mais ajudava, trôpego que estava.  As vistas já não percebiam com a clareza de antes que uma nova safra de margaridas ornava o terreiro, ou que os ipês amarelos mesclavam-se ao verde do pasto, qual bandeira pátria por Deus hasteada.

Nada podia, a não ser desfazer-se da propriedade que durante os últimos setenta anos fôra sua morada e seu alento. Mas, e fazer o quê depois?

Aflorando em meio a tanta tristeza tinha também as recordações dos anos felizes ao lado de Alzira – quarenta e tantos – que tão bons foram, tanto de doce lembrança largaram. Trouxeram também Modesto Júnior, Ricardo e Maria do Céu. Os dois, já de muito prá São Paulo, raramente tornavam à terra que os parira – apenas três vezes nos últimos dez anos. Também não ligavam – telefone não havia. Nem escreviam – dava gastura.

Já Maria do Céu, não. De mês em mês dava as caras, permitida que estava por Jaquetão, marido que o destino lhe reservara (ou lhe condenara). Tornava a ver o pai quase sempre na tardinha do dia, para retornar pro almoço de amanhã. Na roda das horas que corriam ainda sob a luz evitava contar as agruras sofridas de um marido bruto, um animal quando movido pela cachaça.

Falava do café, cuja panha já se avizinhava e que deveria somar mais de cem sacas, já limpo. Falava também dos queijos que lhe tomavam parte do dia e que embalavam pensamentos nascidos lá na sua infância e que hoje, já rotos pela desesperança, tinham tomado cor de foto velha, amarelecidos e embolorados.

Não falava dos desejos de adolescente, que tanto lhe incendiavam a alma, porém impedidos que foram pelo pai. Desejara também ir para São Paulo com os irmãos, pra ver cinema, andar pelas ruas lotadas de gente, sentir cheiro de fumaça. Tudo o que não tinha naquele canto esquecido do mundo, emoldurado por um riacho que também era Agonia.

Avançando a noite entremeio às mesas, portas e janelas, era hora de dormir, a partir da bênção paterna, sempre fria e automática.

Pronto, estava ele novamente só, cada vez mais só, já começando a fazer parte da paisagem e deixando ser o cabra vigoroso que havia erguido tudo aquilo a poder do muque e do trabalho de sol a sol.

A partida de Alzira apressara a decadência que a idade se incumbiria de providenciar. Não era qualquer saudade, era uma saudade funda que alcançava até os pontos mais obscuros de sua alma. Era dolorida também, a ponto de deixar vontade de esquecer o mundo, os filhos ingratos, as criações e até mesmo os ipês que se coloriam mais e mais só para tentar trazer um pouco de vida à sua morte latente.

A aragem fria anunciava mais um inverno, a neblina já subia do brejo que ladeava o Agonia e a cerração já comparecia forte na noite gelada. O rangido da cama ajudava a esfriar mais, não era época para atravessar as noites acompanhado da insônia. Nada mais, era só esperar de novo a manhã com seus raios de calorzinho bom.

Desaferrolhou a porta para de novo tomar o caminho do curral, só que desta vez com o chão molhado de sereno e com as Angolas cantando mais espaçado, frio que estava.

Tomou seu rumo mais uma vez. Passou pelo curral e nem atendeu ao bom dia de Zé Carneiro. Foi visto atravessando a porteira da Fazenda das Cruzes e subindo o pasto do seu Levindo.  Dobrou naquelas alturas, sob as moitas de bambu que rangiam ao vento constante e nunca mais foi visto.

Todo dia é dia de Índio...


Nesta segunda o Banco Central interviu no Banco América do Sul, pequena instituição financeira que operava principalmente nos famosos empréstimos consignados. Detentor de uma carteira de créditos e de financiamentos da ordem de 8 bilhões de reais, o Bacen já identificou fraudes superiores a 1 bilhão.

O banco utilizou-se, dentre outros, do caminho tradicional de algumas fraudes financeiras já operadas por banqueiros no país: o lançamento de operações de crédito falsas e consequente desvio dos valores para contas não vinculadas ao banco e nem a seus responsáveis legais. A sangria em seus cofres torna sua situação insustentável e a bomba relógio (ou o "mico", como queiram) explode nas mãos dos empregados, aplicadores e do governo. Isto porque o interventor não consegue localizar bens e recursos financeiros em montante suficiente para cobrir os credores. 

Digno de nota é o fato de que a instituição é de propriedade da família do deputado Índio da Costa, que foi vice de Serra, do PSDB, na chapa da eleição presidencial de 2.010.

Uma pergunta desponta imediatamente: caso tivesse sido eleito, será que o América do Sul tinha quebrado? 

Segundo o Bacen, o América do Sul não deverá retornar ao controle da família do deputado após a intervenção. Seu destino será a venda a outra instituição, operação considerada tranquila, pois já haveria interessados.

Mesmo assim seus administradores e diretores não terão do que reclamar: em 2011 cada um deles embolsou algo em torno de 40 milhões a título de salários, participações e dividendos. Esse valor já havia subido para perto de 50 milhões de reais em 2012. Considerando ainda que o todo poderoso da instituição, sr. Luís Octávio Índio da Costa exercia ambas as funções, seus ganhos chegaram no ano passado a perto de 80 milhões de reais e se encaminhavam neste ano para os 100 milhões.

Pelo visto, é mesmo verdadeira aquela história que rola no mercado financeiro sobre os negócios mais rentáveis da economia, sendo:
O melhor negócio do mundo um banco bem administrado
O segundo melhor negócio do mundo um banco mal administrado
O terceiro melhor negócio do mundo um banco quebrado

No caso presente confirmamos ainda que a família controladora da instituição financeira de índio não tem nada...
  

domingo, 3 de junho de 2012

A volta do cipó de aroeira



Desde a auto imolação do tunisiano Mohamed Bouazizi em dezembro de 2010, uma avalanche de protestos e de reivindicações vem se alastrando pelo mundo árabe, derrubando governantes e obrigando à instalação de regimes democráticos (pelo menos em tese). Chegada a vez do Egito, assistimos um importante capítulo neste sábado.

O ditador Hosni Mubarak, que passou os últimos 36 anos comandando o Egito, foi condenado à prisão perpétua. Foi vice presidente do lendário Anwar al Sadat até outubro de 1981, quando, guindado  à presidência, lá se manteve até sua derrubada pela Primavera Árabe em fevereiro de 2.011.

Durante esse tempo governou de forma implacável com seus inimigos, jamais permitindo que a oposição pudesse se consolidar. País milenar, o Egito vem enfrentando seus aproximadamente 4.000 anos de história  comandado por faraós, reis, rainhas e ditadores. Jamais (até Mubarak) por qualquer um que tenha sido democraticamente eleito.

O Egito ultrapassou o século XX fortemente envolvido com questões internacionais, como a nacionalização do Canal de Suez ou as reiteradas escaramuças com Israel. O país, que mantinha acordos bilaterais e grande vinculação com a Rússia, mudou de lado sob o comando de Sadat, tendo sido, desde então, aliado americano naquela conturbada área.

O governo Mubarak, além de combater inimigos, fraudar eleições e impedir a liberdade de expressão, manteve o povo egípcio em situação de grande pobreza. Privilegiou a concentração de renda, produzindo milionários de um lado e mendigos de outro, sem que estes pudessem vislumbrar qualquer ato de política econômica que pudesse minorar seu sofrimento no médio ou no longo prazo.

Em todo o seu governo reiterou e manteve estreitos laços com os EUA, sendo seu aliado nas questões envolvendo Israel e todo o Oriente Médio. Foi obrigado, entretanto, a engolir a frieza de seu grande aliado quando caiu em desgraça naquele janeiro de 2011 quando foi forçado a renunciar e fugir do país. Os americanos o haviam abandonado. Afinal, ele era só um homem e os EUA só se interessam por aquilo que possa ser transformado no vil metal.

As agruras que impôs ao povo egípcio retornaram com força sobre ele, que não conseguiu abrigo seguro em qualquer lugar do mundo, nem mesmo naqueles países sempre considerados aliados. Seu julgamento e a prisão pelo resto da vida ainda foram considerados insuficientes por grande parte de seus adversários, que defendiam a pena de morte como forma justa de punição ao ditador.

É como disse Vandré: “É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.”