É um excelente filme. Mais uma produção que nos orgulha e nos faz
sentir que, se não temos orçamento para superproduções, temos talento e
criatividade para obras de alta qualidade.
O diretor Daniel Rezende, estreante na direção, é detentor de vários
prêmios de montagem, tendo assinado filmes como “Diários de Motocicleta”,
“Cidade de Deus”, “Tropa de Elite” (1 e 2), “Cidade dos Homens”, “O Ano em que meus Pais Saíram de Férias”, “Robocop” (do Padilha) dentre outros. Consegue
manter o crescente – e firme – clima dramático que o filme exige. As imagens,
coloridas e vibrantes do início, vão dando espaço para momentos sombrios e
calculadamente carregados de emoção que marcam o desenrolar da vida de Arlindo
Barreto, um dos Bozos, que inspirou a película.
É um drama crescente, permeando toda a exibição, bem como o apogeu e
decadência do personagem principal. Da glória ao fundo do poço, Augusto Mendes
(pseudônimo de Arlindo utilizado no filme) não conseguiu se desvencilhar do
paradoxo que lhe foi gerado pela imensa notoriedade do personagem e absoluto
anonimato do artista. Falta de alma, talvez, ou, no mínImo, de suporte
psicológico para enfrentar o choque de emoções.
Vladimir Brichta, já conhecido principalmente pelos papéis de
humor, cumpre o difícil encargo de apresentar um personagem multifacetado, que
comporta nuances de palhaço e de pai, inebriado pelas luzes da ribalta, mas
vivendo um conflito de ser ou não ser. Ao mesmo tempo em que é o “Rei das
Manhãs”, é barrado em sua própria festa de homenagem. Brichta se desincumbe
corretamente do papel, navegando entre o drama e o humor de forma competente.
Muitos estranharam, entretanto, não ter sido entregue o papel a Domingos
Montagner – recentemente falecido – e que participa rapidamente do trama, mas
que é palhaço de circo por formação.
Leandra Leal também atua com
seriedade e competência, emprestando à sua personagem os contornos necessários.
Não é um papel complexo, mas tem grande importância no fio condutor da trama. Apesar
de seus apenas 35 anos, foi melhor atriz pelo evento Grande Prêmio do Cinema
Brasileiro por sua participação no longa “O Lobo Atrás da Porta”. Recebeu
também o prémio de melhor direção por “Divinas Divas” no festival de cinema South by Southwest, nos
Estados Unidos.
Outro ponto alto do
filme é a fotografia do premiado Lula Carvalho, que marcou suas participações
em “Cinema, Aspirinas e Urubus”, “Tropa
de Elite”, “Feliz Natal”, “Lavoura Arcaica”, “Budapeste”, “Cidade de Deus” e
“Robocop”, além de outros filmes. Recebeu
elogios por alguns planos que incluiu na montagem, como a estréia de Bozo nos
palcos e seu posterior abandono (quando, sugestivamente, as portas se fecham e
as luzes se apagam, uma a uma).
Bom relembrarmos também
de Pedro Bial, que em nenhuma dos poucos momentos de aparição lembra um ator –
não é –, mas é a correta representação do ícone Rede Globo, cujo nome foi
ocultado, mas a evidência salta aos olhos.
Alguns especialistas
dizem que o palhaço não interpreta um personagem. “Ele é quem é”, permitindo
que aflore de seu interior o ridículo que lá existe, ofertando-o ao público sob
a moldura de suas pantomimas. Tudo isto atrás da menor máscara do mundo, que é
seu nariz vermelho, sempre apontado para a plateia, indicando o caminho de sua
comunicação com o público. Dizem até que um palhaço não direciona seu olhar, mas
sempre movimenta sua cabeça no rumo do objeto de sua atenção naquele momento.
Bingo (ou Bozo) não, ele
foi o resultado de um projeto, marca comercial exportada para o mundo a partir
dos EUA. Não nasceu das próprias emoções como Carequinha, Arrelia ou Piolin, brotados
respectivamente de George Savalla Gomes, Waldemar Seyssell e Abelardo Pinto. Ou
mesmo como Domingos Montagner e Companhia La Minima, cujo desempenho podemos
admirar no endereço http://www.laminima.com.br/site/.
Bozo foi construído como
um produto comercial com direção definida e suporte mercadológico específico. Durante
os mais de dez anos em que foi exibido no Brasil, recebeu interpretação de
quatorze atores diferentes, todos sob a mesma máscara e atrás do mesmo nariz.
Por isto não tem alma de
palhaço. Por isto não é palhaço.
Assista, com ou sem
pipoca. É uma produção digna de nosso melhor cinema brasileiro.
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