segunda-feira, 25 de setembro de 2017

MÃE! Uma exclamação e muitas interrogações...


“Mãe!” foi um dos filmes mais esperados do ano e certamente o mais polêmico. O elenco brilhante conta com Jennifer Lawrence (Oscar de melhor atriz em 2013 por “O lado bom da vida”, MTV Movie Award, por “Jogos Vorazes”, além de diversos outros), Javier Bardem (Oscar de coadjuvante com brilhantismo em “Onde os fracos não têm vez”, cinco vezes premiado com o Goya e outros), Michelle Pfeiffer (linda e veterana ganhadora do Globo de Ouro por sua atuação em “The Fabulous Baker Boys”) e Ed Harris (Globo de Ouro como melhor coadjuvante em “Truman, o show da vida”, repetindo o feito em “Virada no jogo”).

Tem também direção e roteiro de Darren Aronofsky (Leão de Ouro por “O lutador”, Gotham Awards por “Pi” e outros). Conhecido por seus filmes tidos como controversos e perturbadores, como “Cisne negro”, “Requiem for a dream” e o apedrejado “Noé”.

A crítica especializada tem classificado a obra como thriller psicológico. Os expectadores e a mídia em geral têm atribuído ao roteiro algumas intenções grandiosas. Ora é a história de Deus, incluindo a criação, o Velho e o Novo Testamento, ora é uma denúncia relativa aos maus tratos que dedicamos à mãe natureza. Em um dos cartazes Jennifer encarna imagem similar àquelas utilizadas pela Igreja Católica para representar a mãe de Jesus. Em outro (que gerou tanta polêmica) é alguém parcialmente seviciada, mas que preservou intacto um de seus hemisférios faciais.

Os personagens não têm nome, mas possuem imensa força dramática. Presentes no filme o inusitado, a provocação, o incômodo, a interrogação, a indignação, a penumbra, o cinza, mas não a beleza. O filme não é belo, em certos momentos é feio e tenebroso. Também não é diversão. Em muitas situações é uma pedra no sapato, um zumbido de pernilongo atormentando o expectador. As cenas não estão dispostas em sequência lógica, onde a ação sempre corresponde a uma reação esperada. O filme é inesperado. Caótico às vezes, surrealista sempre. Surpreendente.

Do surrealismo do grande Miró (um de meus pintores prediletos), saiu o “Carnaval do Arlequim”, que é disperso e estonteamente tal qual ”Mãe!”. Para onde olhar na tela em ambas as obras?

De René Magritte o provocativo “Os Amantes”, tão simples e tão intenso. Tão inesperado, mas tão poderoso!

De Aronofsky percebemos que “Mãe!” é um grito ecoando no subjetivismo do autor, tão surrealista como poderia ser. Já vimos antes coisa semelhante do mesmo diretor, em “Cisne Negro”, com Natalie Portman. É intenso, provocativo e cruel, porém mais metódico, mas também um grande filme.

Alguns pontos são bem instigantes: os protagonistas não se referem a parentes ou a experiências anteriores (somente um obscuro incêndio que teria destruído a casa). Eles vivem uma relação de amor, mas encarnam seus antagonismos, crescentes a cada momento do filme. Há uma visível diferença de idade, a mulher vive de sua criatividade, ao construir, redecorar e remontar a residência, o marido (famoso escritor) debate-se com um impenetrável vazio de criatividade. Quando escreve seu poema, e dá início aos momentos mais dramáticos do filme, o texto somente é lido pela Jennifer. Mais antagonismos presentes nela, que tudo faz para reerguer o lar onde viverá seu amor com o marido. Ele é portador de um imenso ego, muito distante do desejo romântico da esposa (que, apesar de linda, nem sexualmente parece lhe interessar). Ela é generosa, ele egoísta. Ela tenta preservar seu amor, ele em tudo é condescendente para viver sua obra.

O Diretor de Fotografia Mathew Libatique (“Homem de Ferro” 1 e 2, “Cowboys e Aliens”, “Cisne Negro” e outros) utiliza-se durante quase todas as tomadas de um pronunciado close no rosto de Jennifer, esquadrinhando suas expressões, angústias e sensações, transformando a atriz em uma segunda tela onde se pode assistir a mesma filmagem. É, entretanto, um recurso incômodo, às vezes irritante, bem ao estilo da obra. Nos momentos em que não foca seu rosto à exaustão, posta-se sobre seu ombro, conduzindo a plateia pelos passos da protagonista. Vamos a reboque de suas sensações.

Dois mistérios no filme: o pó amarelo que inicialmente a atriz ingere misturado à água (este mistério parece destinado a não ser solucionado) e a joia que o escritor mantem quase em altar, a primeira se quebrando no decurso do trama e a segunda obtida como prenúncio de uma nova história. Parece ser um diamante, mas o que será na realidade?

Interessante também o casal Ed Harris – feio, desajeitado e quase tísico –, aparentemente dominado pela mulher, a sempre linda Michelle Pfeiffer, que encontra espaço em ambiente tão soturno para expressar sua propalada sensualidade. Sua personagem é produto da obra: inconstante, contraditória, afável e grosseira, meiga e agressiva. Difícil a um diretor encontrar um par tão heterodoxo como este. Coisa típica do filme, onde os extremos se debatem durante todo o tempo e as centenas de imagens, gritos, sensações e figurantes trazem uma perturbação constante que dá o clima aparentemente projetado pelo roteirista e diretor.

E os filhos do casal Harris-Pfeiffer?  Caim e Abel? Pode ser, mas isto não é tão evidente, uma vez que suas aparições são sucintas e suas histórias, ainda que semelhantes à dupla bíblica, não contêm maiores evidências disto. Podem ser a figuração da violência pessoal homem com homem, tão paralela àquela por nós praticada contra a natureza.

Há também a vertente de que Jennifer seria a personificação da mãe natureza. Hipótese bem plausível a meu ver, não somente por diversas situações pontilhadas ao longo do filme, como também pelas cenas finais. Estas, a meu ver, contêm bastante indicações para essa que poderia ser a real intenção do autor.


E aí? Como interpretamos a obra?

E quem disse que é preciso interpretá-la? Quem disse que há respostas únicas para cada pergunta?

Assim somos nós, homens contraditórios, que acariciamos nossos cãezinhos e sacrificamos nossos bois. Que juramos amor eterno, mas traímos, que tanto amamos a vida, mas a trocamos pelo vil metal. Somos a contradição porque foi isto que fizemos do livre arbítrio que recebemos de presente. Assim como os invasores de todos os matizes (às vezes irreconhecíveis na tela) destruímos tudo o que tocamos. Mas guardamos um singelo vasinho de flor no parapeito da janela...

Pouco me importa se “Mãe!” retrata uma ou outra vertente emprestada pelas diversas opiniões, nem que o ponto de exclamação seja a entrada do pórtico de onde teremos acesso à obra, nem ainda se contém mais mensagens do que deveria em seu tempo de projeção. O que me importa é a sensação obtida com a história, o incômodo produzido pelas imagens ou a sensação confusa e às vezes sufocante que permeia toda a exibição.


Importa-me o que senti e aquilo que invadiu meus pensamentos durante e após a exibição. É um grande filme que merece nossa atenção. Como disse Aronofsky, se alguém quer diversão, assista “Pica-Pau”, mas “... se quiser um passeio de montanha-russa...” assista “Mãe!”

https://www.youtube.com/watch?v=ugn1gqGl7rs

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