Já há muito conhecemos os
paraísos fiscais espalhados pelo mundo afora (Luxemburgo, Ilhas Cayman,
Singapura, Costa Rica, Ilhas Salomão, Liechtenstein, San Marino, Panamá,
Uruguai e tantas outras nações). Servem para a condução de operações offshore, seja sob a forma de contas
bancárias, seja pela fundação de empresas (que muitas vezes nada fabricam ou
vendem).
A denominação paraísos fiscais
decorre do fato de que os valores aplicados ou investidos não são tributados,
ou seja, estão livres de impostos e outros custos similares. Um sonho que pode
se tornar real: o dinheiro rende como se estivesse no mercado financeiro
normal, mas o aplicador está livre das garras do Estado. É um contínuo tilintar
de dólares que deveriam abastecer atividades como educação, saúde segurança
ou transportes e que desaguam nos bolsos de ávidos investidores.
Mas não é só isto. As
instituições (e os países) não costumam perguntar sobre a origem dos recursos
financeiros. Assim, pode-se deduzir que há dinheiro de simples aplicações em
fuga de tributos, bem como receitas do tráfico, da manutenção financeira de
grupos paramilitares, da corrupção política, enfim, um balaio de gatos nominado
em dólares.
Quanto às empresas offshore, teoricamente são investimentos
realizados naquele país (paraíso fiscal) por não residentes, ou seja, titulares
que as comandam e residem em outras nações. Parecem até multinacionais ou
filiais internacionais de empresas como Nestlé, Petrobrás, Google, Johnson
& Johnson, Microsoft e tantas outras. Mas não é isto. Há fundamentais
diferenças. As offshore não têm
atividade econômica, ou seja, nada fabricam, nada vendem e nada produzem, salvo operações
destinadas a dissimular o trânsito financeiro. Costumam movimentar milhões de
dólares instaladas em modestas salas ou prédios que não fazem jus ao grande
volume de recursos aplicados. Estão ali para “limpar” dinheiro escuso ou para
fugir à tributação devida nos países de origem (ou ambas simultaneamente).
Há escritórios especializados em
conduzir tais operações, como o Mossack Fonseca, que esteve por trás do escândalo
dos Panama Papers ocorrido em 2016 e
que deixou às claras tais operações abastecidas por dinheiro da corrupção
brasileira, conforme apurado pela Lava Jato.
A criativa engenharia envolve até
mesmo as chamadas shell companies,
empresas fantasmas que não contam sequer com prédios ou funcionários. Apenas um
registro contábil e administrativo e um número de conta em banco, apenas fachada. Por ali transitam verdadeiras fortunas, tudo controlado por um
esquema milimetricamente coordenado por escritórios como o Mossak ou, no caso
dos Paradise Papers, também a Appleby.
Consideremos ainda que a
titularidade das offshore é muitas
vezes escamoteada em uma rede de interligações e de domínios acionários
intrincados que, mesmo sob a proteção do sigilo oferecido, não deixam à mostra
os verdadeiros donos.
Agora temos o escândalo dos Paradise Papers, que fez o Panama Papers parecer uma brincadeira. Foram divulgados alguns dos mais de 13.000.000 de arquivos de
operações mantidas principalmente em Bermudas e Cingapura, contendo
investimentos de pessoas como secretários do governo Trump, do governo
canadense, uma lista imensa de políticos das mais diversas nacionalidades, jogadores
de futebol, empresas como Nike e Uber, celebridades como Madona, Bono e muitos
outros. No meio dessa leva de privilegiados
milionários e bilionários – pasmem – foi descoberta nada menos Elizabeth II, emblemática
rainha da Inglaterra.
É muito sugestivo o fato de que
uma rainha busque sonegar tributos que deveriam ser recolhidos ao próprio reino
que governa... Francamente, soberana!!!
Discutir a legalidade ou não de
tais empresas passa necessariamente pela discussão da moralidade envolvida. Até
onde sonegar pode ser considerado um direito? A defesa da rentabilidade dos
capitais pode superar o direito dos cidadãos utilizarem os recursos oriundos da
tributação?
Por estas e outras a presença de
uma rainha em tão desconfortável lista é algo especial e que demonstra a escala
de valores que domina a sociedade humana.
Mais informações sobre o tema no site dos investigadores do ICIJ –
International Consortium of Investigative Journalists, que trouxeram a lume esse
escândalo: https://www.icij.org/investigations/paradise-papers/